O joio e o trigo

Bernardo Mello Franco – Folha de São Paulo

BRASÍLIA – O governador Geraldo Alckmin está preocupado com as delações da Odebrecht. Nesta segunda (6), ele usou uma parábola bíblica ao comentar o que vem por aí: “É preciso separar o joio do trigo. Ter cuidado para não misturar pessoas que fizeram corrupção, se enriqueceram, patrimonialismo, com outros casos”.

O tucano não explicou o que seriam “outros casos”. Nem precisava. Ele se referia ao caixa dois, o velho financiamento ilegal de campanhas.

Na semana passada, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi mais explícito. “Há uma diferença entre quem recebeu recursos de caixa dois para financiamento de atividades político-eleitorais, erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido, daquele que obteve recursos para enriquecimento pessoal, crime puro e simples de corrupção”, disse.

A frase é longa, mas o argumento é simples. Na visão de FHC, quem recebeu dinheiro sujo para comprar um iate praticou um “crime”, e quem recebeu dinheiro sujo para se eleger cometeu um “erro”. Por essa lógica, o ex-governador Sérgio Cabral é um criminoso, mas um tucano que recebeu R$ 23 milhões na Suíça para bancar sua campanha apenas “errou”.

É preciso dizer que Alckmin e FHC não reinventaram a roda. No escândalo do mensalão, petistas usaram o mesmo discurso para tentar driblar a Justiça. O advogado de Delúbio Soares chegou a afirmar, diante dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal: “Ele fez caixa dois de campanha, isso ele não nega. Agora, ele não corrompeu ninguém”.

A divulgação das delações da Odebrecht vai revelar um segredo de polichinelo: as empreiteiras financiaram todos os grandes partidos brasileiros pela via ilegal do caixa dois. O dinheiro não deixou de ser declarado por timidez, e sim porque estava ligado a fraudes em obras públicas.

Há uma torcida suprapartidária para que o Supremo abrace a teoria do joio e do trigo. No julgamento do mensalão, não funcionou. Foram todos condenados por corrupção.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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