São fortes as correntes que querem pura e simplesmente aumentar o PIB, não importam as consequências.
A Câmara mostrou no meio da semana o insustentável peso do atraso no Brasil. Esvaziou os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, flexibilizou as leis que impedem a devastação da Mata Atlântica — enfim, jogou o país de novo numa atmosfera dos anos 1950.
O primeiro problema a discutir é de natureza democrática. Afinal, quem foi eleito presidente da República, Lula ou Lira? Em quem pensava a maioria dos brasileiros quando derrotou Bolsonaro?
Diante de um governo que se instala vitorioso, depois de apresentar um programa à sociedade, não tem sentido a Câmara definir como ele deve se organizar para exercer suas tarefas. Pelo menos teoricamente, ele sabe de que tipo de estrutura necessita para realizar o trabalho.
As mudanças que a Câmara fez são absurdas. Como retirar a gestão das águas do Meio Ambiente, sem perceber que o tema envolve não apenas irrigação de lavoura, mas também proteção de nascentes, medidas estratégicas para garantir que gente e bicho não tenham sede? Como dissociar do Meio Ambiente a questão dos resíduos sólidos, que envolve todo um complexo que não se esgota na construção de aterros sanitários, mas passa pela educação ambiental, pelo estímulo à indústria da reciclagem e tantos outros procedimentos?
Um dos absurdos mais contundentes: retirar do Ministério dos Povos Indígenas a tarefa de conduzir a demarcação das terras indígenas. Foi como dizer abertamente que a Câmara não aceita a existência dessa pasta, um compromisso não só de campanha, mas também internacional. O Cadastro Ambiental Rural também sai do controle do Meio Ambiente.
Embora ninguém tenha feito o L para colocar um deputado fisiológico na Presidência, é preciso reconhecer que as forças do atraso tiveram uma boa noção de timing. Elas sabem ler as ambiguidades do L vitorioso na campanha. Os últimos dias foram marcados por uma disputa sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas. São fortes as correntes que querem pura e simplesmente crescer, aumentar o PIB, independentemente das consequências. O próprio Lula afirmou:
É a 530 quilômetros da Amazônia.
Esqueceu que a região abriga quase 300 quilômetros de corais, recentemente descobertos por uma expedição científica.
Outros sinais de ambiguidade em relação ao discurso ambiental também estão claros. A própria promessa de que todos poderão comer picanha soa um pouco deslocada, mas pode ser atribuída à retorica eleitoral. Não é a mesma coisa a intenção de produzir carros populares em massa. Isso entra em choque com alguns fundamentos, como mobilidade urbana ou redução dos gases de efeito estufa.
O destino ambiental do Brasil, seu próprio futuro no mundo, depende hoje de uma Câmara retrógrada e de um governo ambivalente. Não se pode esperar um rompimento, pois o governo precisa dos deputados para funcionar. Mas se pode pedir mais coerência. A Câmara não baniu as atividades ambientais e de demarcação de terras indígenas. Continuam sob a égide do governo central. Cabe a ele, diante das limitações, encontrar um caminho para realizar aquilo que prometeu, numa estrutura desfeita, mas cujas peças fundamentais permanecem em suas mãos.
E, finalmente, a decisão de flexibilizar a destruição da Mata Atlântica, contra a vontade do Senado, pode ser vetada. O mais importante é mostrar claramente com que L contamos para que Marina Silva e Sonia Guajajara não fiquem sozinhas, lutando contra a maré reacionária. Há muita gente com elas na planície e também no planeta Terra.
De certa maneira, o que aconteceu no meio da semana é um choque de realidade, o fim das ilusões de que a questão ambiental depende apenas do governo, quando, na verdade, depende da luta de todos, às vezes entorpecidos pela melodia do discurso oficial.