O martírio procura e acha os que se martirizam

Num simples manual de instruções para se dar corda num relógio encontramos lições para a vida inteira. Esta já é uma lição: dizer que sempre aprendemos uma lição para a vida inteira, supondo que a vida dure muitas e muitas horas. Por isso compramos um relógio com bateria que nunca mais acaba. Antes nos satisfazíamos com um relógio de corda.

E todas as noites, antes de dormir, dávamos corda nele para que não parasse durante a noite e a gente esquecesse de acordar. E dormisse o sono eterno. Vem um sujeito de alto coturno intelectual e diz que a grande inimiga da felicidade é a ambição. E as cabeças balançam um silencioso sim de olhos baixos. Mas, sem ambição não somos gente! Quanto mais ambição, mais humanos somos. Ambicionamos desde que éramos simples girinos. Cobiçamos as estrelas desde quando ainda andávamos peludos e pelados pela selva. Querer um shopping center inteiro de coisas, bugigangas, aparelhos… Essa é nossa meta.

Deixemos este negócio de felicidade para as andanças do espírito preso em casa numa noite de sexta-feira de lua cheia. Ele que bata a cabeça no vidro, ligue a televisão, tome uma dose de conhaque e chore pelos cantos. Enquanto isso, estaremos lá longe na festa mais agitada, voejando em volta das belas mulheres que flutuam em nuvens de esperança. O homem sensato: sensaborão e chato. Lição de moral sempre vem em frases na segunda pessoa do singular. O que a vida dá com uma mão, os pseudo-ajudantes morais tiram com duas. Contenta-te com o que tens e terás felicidade! Mas a vida vem e nos empurra para vencer, ter prazer, comandar, ir em frente. Amor, sexo, dinheiro, liberdade, ódio, inveja, ciúme, sucesso, promoção, reconhecimento, fama, glória. O relógio com bateria supermegapower no pulso e os olhos de águia varando o salão em busca da mais bonita, mais charmosa, mais chique, mais provocante.

Não dormir jamais sobre os louros. Desbravar todo o solo rico em bravatas, conquistas e riquezas. Os portais do Paraíso se abrem ao seu comando: “Audentis fortuna juvat”.

Rui Werneck não procura cerejas em pés de jabuticaba

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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