Ora direis, ouvir as aves do céu…

Pois, creia, leitor, há gente que, sem ser afim com Olavo Bilac (1865-1918), ao invés de ouvir estrelas, a exemplo do poeta no poema famoso, se dedica profissionalmente a observar, ouvir e gravar o canto dos pássaros. Aqui mesmo ao lado de casa, no Parque Bacacheri, onde caminhei, durante anos, religiosos 4 kms diários, flagrei, certa ocasião, um velhinho empenhado em observar as aves do céu.

Eu o vi, num final da tarde, a sair da mata que contorna o parque, a máquina digital e o gravador grande demais para a figura franzina. E a minha aproximação com ele, uma única vez, aliás, se fez em razão do gravador. Queria lhe informar apenas de uma liquidação de micro-gravadores, de bolso, mais potentes, e sobretudo mais baratos, no supermercado em frente.

Foi incisivo – desconfiava dos engenhos modernos e só estava usando a máquina digital porque a sua Pentax tinha ido ao conserto. E se revelou, de ponta a ponta, num tagarelar compulsivo, um observador de pássaros. Amador, mas intensa e extensivamente, um observador de pássaros. Não lhe guardei o nome mas não esqueço a notícia – estava atrás de uma espécie rara de pintassilgo. Perguntei aos meus botões: um pintassilgo no Parque Bacacheri, ao lado de uma via rápida e em meio ao burburinho enfezado da cidade aflita? Entre pó, buzina e cimento?

Mas não ousei duvidar da palavra do primeiro observador de pássaros que me era dado topar na vida. De lá para cá nunca mais vi o velhinho, com ou sem gravador, como também nunca mais encontrei alguém que se dedicasse ao extravagante ofício de observar as aves do céu.

A fuçar, contudo, esses dias, na internet, deparei com um vídeo, fantástico em vários sentidos, e que integra os esforços do governo peruano para converter o país no principal destino dos “birdwatchers” que é como são chamados, em inglês, os observadores de pássaros.

A quem interessar possa, vale conferir “www.perubirdin-groutes.com”. Nos abismos do cânion de Colca, ou em Cuzco, ao norte do Peru, nas inenarráveis montanhas andinas, se esconde a que é considerada a ave mais bela do planeta. Trata-se de uma espécie de colibri, escassa e assombrosa maravilha. Segundo os “birdwatchers”, impossível não acreditar em Deus ao se deparar, ao vivo e em cores, com a ave. Mas Deus mesmo, a meu ver, está na altivez com que o condor andino impera no céu peruano. Imenso, a maior ave da Terra, com 3,5 metros de envergadura, chega a planar por centenas de quilômetros sem mover um músculo.

Ao assistir no vídeo ao vôo do condor fiquei a me perguntar o que terá sido do pintassilgo do velhinho do parque. “Raro, meu caro; raríssimo!”. Ora direis, velhos e novos passarinheiros…

24/5/2009

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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