Vendem-se rins e rebentos

Comprar armas, usar drogas e vender o rim ou o filho, ok; mas aborto não

Javier Milei ganhou os holofotes no cenário latino-americano. Um tanto pela façanha de ter surpreendido nas prévias da eleição argentina, outro tanto por seu perfil histriônico, meticulosamente emoldurado num cabelo despenteado. Mas qual é a novidade de um político que se vende anarquista, mas odeia as mulheres? A novidade é que ele se vende como o liberal que abraça todos os direitos individuais. Quase todos.

“Minha primeira propriedade é meu corpo. Por que não posso me livrar do meu corpo?”, questionou Milei ao defender o comércio de órgãos humanos. O mesmo raciocínio foi usado no começo da campanha sobre a venda dos filhos. Sim, dos filhos. Por seu entendimento, crianças são propriedades dos pais, que teriam o direito de fazer uma grana com os rebentos. Foi uma gritaria, o assunto morreu.

O anarquista argentino seria um clichê ambulante para quem já viveu a era Bolsonaro: quer Estado mínimo, é a favor da liberação de armas, é contra programas sociais, não acredita em mudança climática. Ao menos em público não defende a ditadura sanguinária em seu país.

Milei se diferencia de Bolsonaros e Trumps em alguns assuntos, mas seus argumentos passam longe da racionalidade ou da empatia. Ele defende a legalização das drogas (“se quer se suicidar, não vejo problema”) com a mesma premissa que usa ao não se opor a relações homossexuais ou a questões ligadas à identidade de gênero: “Você acha que é uma onça-parda? Faça isso, não importa. Desde que não me faça pagar a conta”.

O mesmo Milei que defende o corpo como “propriedade privada” é contra o aborto. Nenhuma novidade, não é? O “liberal” disse que, eleito, pretende realizar um referendo para tentar reverter a legalização da prática, aprovada em 2020. Comprar armas, usar drogas, vender o rim ou uma criança parida, OK. A mulher decidir se quer levar uma gravidez de até 12 semanas adiante, aí já é demais.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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