Ruy Castro – Folha de São Paulo
RIO DE JANEIRO – A realidade política brasileira tem sido comparada a um filme de terror. E com razão, porque, não importa para que lado se olhe, o cenário é de porões de castelos assombrados, caninos ensanguentados, homens peludos, mortos que caminham e mulheres de maus bofes. Para completar, vários dos nossos políticos têm o “physique du rôle” para interpretar Drácula, o Lobisomem, Norman Bates, Freddy Krueger e até Minnie Castevet, a vizinha de apartamento de “O Bebê de Rosemary”.
Em muitas dessas comparações, as pessoas citam Boris Karloff —como se, por ter feito os papéis-título em “Frankenstein” (1931) e “A Múmia” (1932), ele fosse um símbolo do horror. Mas, olhe, é uma injustiça. Boris Karloff apenas viveu aqueles papéis, e os dois filmes ficaram entre os maiores do gênero. Na vida real, Karloff (1887-1969) foi um dos homens mais queridos de Hollywood.
Ele era, na verdade, inglês, com formação teatral, fã de Joseph Conrad e amigo de escritores e dramaturgos. Devia ser um grande ator, já que, conhecido por sua suavidade e ternura para com os amigos, os filmes só o queriam para viver loucos, drogados, carrascos, sádicos e até violadores de túmulos.
Karloff trabalhava em Hollywood, mas mantinha um apartamento em Nova York, no —logo onde— edifício Dakota, onde se passa “O Bebê de Rosemary” e onde John Lennon seria morto em 1981. No Halloween, Karloff deixava doces e balas à porta dos apartamentos do Dakota onde moravam crianças –adorava-as e não queria que tivessem medo dele. Para elas, gravou disquinhos infantis e trabalhou em “Alice no País das Maravilhas” e “Peter Pan” na Broadway.
Karloff dizia que, ao morrer, queria ser enterrado maquiado de Frankenstein. Não foi possível. Nossos políticos não terão esse problema —bastará que sejam enterrados como si mesmos.