Achou a câmera para computador numa caixa de papelão jogada na esquina da rua onde mora. No meio de tralhas velhas, ela o olhou. Tinha mesmo o formato de um olho – e se mexia como tal. Levou para o escritório de casa. Instalou em cima da tela, conectou, ligou. Ficou esperando e nada aconteceu – até que viu um botão ali em cima do que, imaginava, era a lente. Uma raio de luz quase o cegou. Na tela começou a aparecer imagens desconectadas, mas numa velocidade alucinante. Eram rostos, cenas de ruas, mendigos sendo queimados, assaltos, casamentos, aniversários, bailes de debutantes, tudo, tudo misturado numa espécie de alucinação que o fez ficar paralisado. Ele conseguiu desligar o olho, mas aquilo tudo ficou na mente – e continuou a passar na sua memória. Naquela noite ele não dormiu. No dia seguinte voltou ao computador e ligou a coisa. Fez isso de forma automática, atendendo a uma ordem que não ouvia. De novo o raio, só que agora as cenas eram em câmera lenta e de paisagens vistas de cima. Era como se estivesse vendo uma nova versão do filme Fernão Capelo Gaivota. Ele gostou tanto que passou o dia inteiro viajando por paisagens jamais presenciadas em filmes, documentários ou livros. Não dormiu de novo. Voltou ao olho. Dessa vez, ao apertar o botão, a bala saiu, entrou pela testa e abriu um rombo na nuca. Ao acordar estava cercado de familiares. Perguntou se estava vivo. Disseram que tinha desmaiado repentinamente. Ele levantou e foi direto ao computador. O olho estava lá. Não o ligou nem na hora nem nunca mais, principalmente porque o viu piscar marotamente.
Do blog Cabeça de Pedra. Zé Beto