O olho

olhoAchou a câmera para computador numa caixa de papelão jogada na esquina da rua onde mora. No meio de tralhas velhas, ela o olhou. Tinha mesmo o formato de um olho – e se mexia como tal. Levou para o escritório de casa. Instalou em cima da tela, conectou, ligou. Ficou esperando e nada aconteceu – até que viu um botão ali em cima do que, imaginava, era a lente. Uma raio de luz quase o cegou. Na tela começou a aparecer imagens desconectadas, mas numa velocidade alucinante. Eram rostos, cenas de ruas, mendigos sendo queimados, assaltos, casamentos, aniversários, bailes de debutantes, tudo, tudo misturado numa espécie de alucinação que o fez ficar paralisado. Ele conseguiu desligar o olho, mas aquilo tudo ficou na mente – e continuou a passar na sua memória. Naquela noite ele não dormiu. No dia seguinte voltou ao computador e ligou a coisa. Fez isso de forma automática, atendendo a uma ordem que não ouvia. De novo o raio, só que agora as cenas eram em câmera lenta e de paisagens vistas de cima. Era como se estivesse vendo uma nova versão do filme Fernão Capelo Gaivota. Ele gostou tanto que passou o dia inteiro viajando por paisagens jamais presenciadas em filmes, documentários ou livros. Não dormiu de novo. Voltou ao olho. Dessa vez, ao apertar o botão, a bala saiu, entrou pela testa e abriu um rombo na nuca. Ao acordar estava cercado de familiares. Perguntou se estava vivo. Disseram que tinha desmaiado repentinamente. Ele levantou e foi direto ao computador. O olho estava lá. Não o ligou nem na hora nem nunca mais, principalmente porque o viu piscar marotamente.

Do blog Cabeça de Pedra. Zé Beto

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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