Num hoje folclórico réveillon, acho que em Praia Grande, litoral paulista, depois de um porre colossal, Paulo Leminski acordou, no dia primeiro do ano, numa ressaca de matar o padre. Zonzo saiu à varanda da casa para experimentar o travo e o trago do primeiro cigarro.
No chão de tábuas, a visão assustadora: dezenas de gordas formigas arrastavam uma cigarra morta. O poeta, que era exímio, e sacava o revólver com a agilidade de um caubói de faroeste, mesmo batido pela noite excessiva, não teve dúvida, e anotou alto e bom som: “Fim de farra/formigas mascam/ restos de cigarra”. Exagero, João Virmond Suplicy?
Numa viagem com Alice Ruiz a Nova Prata, RS, – Estrela Leminski só uma menininha a bem menos de um metro do chão -, a atravessar montanhas no carro de uns amigos fomos assistir ao assombroso espetáculo de uma cachoeira no coração da serra. Leminski não havia mais. Entre sacolejos e geladas brisas gaúchas, a tarde de outono arrebentava o céu de azuis.
Ao longo do caminho, o espetáculo, raro, aqui e ali, de pinheiros amontoados, quase colados uns aos outros. Alguém evocou que era assim na origem de tudo, quando do surgimento das florestas de pinheiros. Lembramos, de imediato: em Curitiba isso não existia mais sequer para amostra, e nos veio a nostalgia das coisas primeiras. “Pinheiros juntos/ontem era o começo/do começo do mundo.” Assinei embaixo, gravando o haicai de memória e viva voz.
Ou, de novo, o velho Pablo de guerra, bêbado e feliz, a urrar, nove da noite, ao telefone, desde o Pilarzinho. Lembro, nítido, a data: janeiro de 1987. Vindo da rua aonde fora comprar cigarro, retornava o poeta à casa, em estado epifânico. “Achei, Bueno, achei. Olha: ‘Entre os meninos de bicicleta/o primeiro vaga-lume/ de 1987’. Rima rara, Bueno: bicicleta com oitenta e sete…”
Em janeiro, necessário explicar, costumava aparecer, segundo Leminski, o primeiro vaga-lume que, também segundo ele, autenticava o verão. Os vaga-lumes aos bandos, viriam, mas não já, só em fevereiro… Indispensável flagrar o primeiro, porque único, irrepetível. E este só poderia ser colhido nas redes de um haicai. Aí, de novo, o outono, hermano Solda e demais hermanos! Cadê um haicai novo que fale ainda outra vez dos céus azuis de Curitiba e nos conte microestórias do tamanho da China?
Talvez em Marduk, Helena Kolody confabule com Paulo Leminski para amanhã, bem de manhã, em homenagem ao recém-aniversário da cidade, um haicai ainda molhado de estrelas.
2007 – O Estado do Paraná