Das 17 peças teatrais de Nelson Rodrigues, várias sofreram com a censura. “Álbum de Família” (1946) levou 19 anos proibida; “O Anjo Negro” (1947), seis meses; “Senhora dos Afogados” (1947), seis anos, e a maioria das outras provocou alteração. Na estreia de “Perdoa-me Por Me Traíres” (1957), um deputado saltou ao palco de arma em punho, querendo dar um tiro no autor. Na de “O Beijo no Asfalto” (1960), um homem levantou-se na plateia e gritou, “Protesto em nome da família brasileira!”, e saiu marchando do teatro. Detalhe: em nenhuma dessas peças havia um só palavrão.
Ao assisti-las, no entanto, o espectador pensava ter escutado 300 palavrões. E talvez escutasse mesmo –dentro de sua cabeça. Era onde Nelson os inoculava, sem precisar escrevê-los. O católico Alceu Amoroso Lima os ouvia sem sequer assistir às peças, e ficava a favor da polícia quando esta proibia Nelson.
Em fins dos anos 60, a maré virou. Nas encenações de um certo grupo vanguardista e contestador, o palavrão se tornou a norma. E, para surpresa de Nelson, a cada palavrão dito no palco, a plateia rolava de prazer. “Mas, se é assim, onde está a contestação?”, ele perguntava.
“Antigamente, o brasileiro só usava o palavrão por uma necessidade vital irresistível”, escreveu Nelson. “Havia, entre um e outro, uma distância, uma cerimônia, uma solenidade. De repente, instalou-se nos palcos e nas plateias a doença infantil do palavrão. Hoje, senhoras patuscas, donas de casa cheias de filhos e até meninas de 14 anos usam o palavrão como quem respira. Conseguimos corromper o palavrão.”
Lula, por exemplo, usa o palavrão como vírgula. Tudo bem, muita gente faz isto. O estranho é que, ao ouvi-lo vociferar para seus subordinados, os quais são todos, mesmo as palavras mais inocentes parecem soar como palavrões.
Ruy Castro – Folha de São Paulo