JAIR BOLSONARO é um troglodita, como aqueles das cavernas que arrastavam as mulheres pelos cabelos e brigavam com paus, os de madeira, bem entendido. Como presidente, investiu-se de cruzado contra aquilo que na sua visão representa o obsceno. Assim, gays, transsexuais, lésbicas, os indefinidos de gênero são, com a licença do trocadilho, degenerados. No balaio entram índios, negros quilombolas e as minorias em geral.
Nosso presidente prega um moralismo tosco, míope, primário, sem paralelo nas épocas em que foi profissão de fé, a Inquisição católica e a Era Vitoriana, na Inglaterra. Entre tantos absurdos que jorram diariamente de sua língua na velocidade da luz e o cérebro na do som, agora passa a pontificar sobre arte. Ele é daqueles para quem toda crítica tem que ser construtiva e a notícia necessariamente boa.
O capitão de bravatas investe contra o cinema brasileiro. Nem Lula, Dilma e petistas em geral fizeram isso quando o Petrolão acabou n’O Mecanismo, o filme do diretor que antes celebrara Sergio Moro e a Lava Jato. Com sua peculiar visão anã – com perdão aos anões, em especial Peter Dinklage, o brilhante ator do Game of Thrones – o chefe do governo ataca as agências e mecanismos que financiam a arte no Brasil.
Especial diatribe Bolsonaro verteu na semana contra o filme Bruna Surfistinha: é pornográfico e captou dinheiro público. Se ganhou prêmios, gerou lucros e empregos, é irrelevante. A moral bolsoignara está acima do custo-benefício geral. Faltou pouco para o presidente insistir que a história estimula o erotismo e os prazeres da carne, o solitário, entre eles, um anátema na visão evangélico-militar de sua excelência.
Nosso messias está a um passo dos nazistas, esquerdistas que, como a Inquisição, faziam fogueiras com os livros de autores malditos, que fugiam da doutrina oficial. O mesmo acontece no Irã e onde impera o fundamentalismo islâmico. Aliás, ao tempo da formação militar de Jair Bolsonaro, a repressão da ditadura brasileira prendia não só autores como leitores, vendedores e colecionadores de livros malditos.
O presidente só engana os que votaram nele, que acatam sua visão do obsceno e não veem obscenidade no filho embaixador (“Quero o melhor para meu filho”, disse na semana. A embaixada é o melhor – para o filho, não para o Brasil), no pagamento de votos no Congresso via emendas ao orçamento, na permanência do ministro Álvaro Antonio, o criador das mulheres-laranja em candidaturas de figuração.
Jair Bolsonaro nunca viu um quadro de autor renascentista, como a Vênus de Botticelli, que emerge nua das águas. Desconhece o mais antigo e clássico Decamerão, de Bocaccio. Na Bíblia. o neo-evangélico passa batido pelos Cantares de Salomão, para ele, pura sacanagem. Jair Bolsonaro nunca frequentou um museu, com certeza. Mas é impossível que não tenha se deleitado e massageado com os livrinhos de Carlos Zéfiro.
Os moralistas vão e voltam, assim tem sido na história, cíclica e dialética. Quando chegam, fazem estragos: destroem monumentos, queimam obras de arte, livros, reprimem a livre expressão e chegam ao limite do trágico, de matar os dissidentes de seus valores. A expressão artística com liberdade na concepção moral, esta fica, evolui e se perpetua em bibliotecas, museus e exibições. Nosso presidente não quer moralizar; quer sufocar a arte.
O que vemos nos últimos duzentos e poucos dias da presidência é o aceno autoritário de um homem que pretende se perpetuar no poder, inicialmente com dois mandatos, depois alternando com o filho, como Putin e Medvedev na Rússia. Se as instituições, como o Congresso, o STF e a opinião pública não reagirem, Jair Bolsonaro consegue dos seus abduzidos introduzir no Brasil as trevas que povoam seus sonhos.