E aí está nosso amigo Eric Arthur Blair de novo no topo da lista dos mais vendidos, com 1984 e A revolução dos bichos. E angariando leitores jovens. Coitado do George Orwell, não ficou sabendo que sua distopia escrita em 1948, com a figura onipresente do Big Brother, iria gerar o reality show de maior sucesso de todos os tempos. Seus herdeiros – se é que os tem – merecem caminhões de royalties pelo mundo afora.
Mas o combativo autor (1903-50), entre muitos outros livros geniais, escreveu um que deverá ser leitura obrigatória no Day After – ou no Day Now – da peste covidiana. Down and Out In Paris and London, publicado em 1933, lançado também no Brasil como Na pior em Paris e Londres, e esgotado – atenção editoras! O livro é uma obra-prima da literatura da fome e da pobreza, muito melhor que Fome, que deu muita comida e dinheiro ao norueguês Knut Hamsun, inclusive o polpudo prêmio do comercializador da dinamite, Alfred Nobel – o sobrenome lembra “nobre”, mas está bem longe disso.
Na pior em Paris e Londres é um trabalho de reportagem do jovem Orwell que se deixou resvalar para a pobreza extrema – e isso não exigia grande esforço na época – a fim de relatar o que viveu na carne. O grande charme da literatura da fome e miséria é que nós a desfrutamos de barriga cheia, aquecidos debaixo de um teto seguro e – o mais importante de tudo – a milhares de quilômetros de distância daquele tipo de situação. Regozijemo-nos ao ler este trecho de boca cheia:
“Meu dinheiro evaporou-se – de oito francos para quatro francos, para um franco, para vinte e cinco centimes; e vinte e cinco centimes é inútil, não dá para comprar nada, exceto um jornal. Passamos vários dias a pão seco e então passei dois dias e meio sem absolutamente nada para comer. Foi uma experiência brutal.”
Mas esqueçam, por favor, o que falei de estetizarmos a experiência da fome e do desabrigo a salvo de qualquer risco real. A devastação da pandemia faz agora de todos nós candidatos a dinossauros. Quem sabe não estaremos lendo o Na pior de Orwell apenas como mera literatura? E sim, de uma maneira bem mais prática e concreta, como um manual de sobrevivência.