Mateus quer saber o que leva uma pessoa a ser ou agir de forma medíocre
Mateus me escreve para saber a minha opinião sobre o que leva uma pessoa a ser ou agir de forma medíocre. Em seu e-mail ele deixa bem claro: “Não o que você pensa na teoria, ou baseada em leituras, ou querendo parecer erudita, ou querendo ser politicamente correta, ou cheia de dedos para não parecer arrogante, mas sim o que você considera medíocre de verdade e sem pensar muito. Quero que você fale comigo como se eu estivesse numa mesa de bar com você.”
A primeira cena que vem à minha mente sou eu andando por uma rua em Ipanema. Eu tinha 28 anos, morava no Rio de Janeiro há poucas semanas e tinha feito uma única amiga até então. Comentei que andava com falta de ar, enjoo e taquicardia.
Não tinha sido fácil sair de São Paulo tão de repente. Recebi a proposta de um ogro que deixou bem claro: “Ou você chega em três dias ou perde a oferta de trabalho.”
Desalugar o apartamento que eu adorava, ter me mudado para um quarto em cima de um restaurante (eu odiava o barulho e o cheiro de gordura), largar um namorado, mudar de emprego, mudar de profissão, ficar longe de todos os meus amigos, ficar longe da minha família e passar a ganhar 1/10 do que era meu patamar salarial na época.
A garota deu uma risada debochada e me respondeu “vai para a praia que passa”. Essa pessoa era medíocre. Praia é uma coisa maravilhosa, eu adoro, eu realmente me sinto bem, mas quem não consegue aprofundar nem um tiquinho quando se trata de uma conversa sobre angústia e acha que todos os problemas podem ser resolvidos na praia me parece bem medíocre.
A segunda cena é meu tio me dizendo que eu não “constituiria família” se continuasse escrevendo as coisas que escrevo.
A terceira cena sou eu com um namorado péssimo, na companhia de seus amigos ainda piores. Todos os amigos com suas respectivas namoradas. Em determinado momento, eles se distanciam de nós para terem conversas mais “de homem”: comentários a respeito de política, ironias contra pessoas chatas do trabalho e uma ou outra piada sexual. Por alguma razão, acham que a gente poderia não gostar ou não acompanhar o assunto.
Eu começo a berrar da sala para onde fui segregada e a competir com eles pelas melhores ironias e sacanagens verbais. Naquela mesma noite, moças se chocam e o tal namorado termina comigo. Era um homem profundamente medíocre, amigo de homens medíocres que, por sua vez, namoravam moças medíocres.
Eu na hora do recreio com uma garota que se chamava Ana Carolina. Eu dizendo: “Carol, eu gosto do Felipe porque ele é estranhíssimo” e Carol me dizendo “que horror, você tem que gostar de quem todo mundo gosta ou a estranha é você”. Não sei como anda a doce Ana Carolina 30 anos depois, mas deve ser medíocre.
Penso agora nos meus amigos queridos que odeiam o filme “A Grande Beleza”. E em outros conhecidos até bem simpáticos que adoram o filme “Na Natureza Selvagem”. Paolo Sorrentino me emocionou tanto com esse filme, mas tanto, que eu não conseguia me mover. Não conseguia me levantar da cadeira do cinema e andar. Acho que foi uma das experiências cinematográficas mais fortes que já tive. Na saída, dei de cara com um casal de amigos que estava indignado “que filme pretensioso, que nada, que grande besteira”. Eu fiquei em silêncio e, imageticamente, tatuei para sempre, em neon, a palavra MEDÍOCRE naquelas testas. Gosto desses amigos, não são medíocres na vida real. Mas naquele dia foram tremendamente medíocres.
E claro, eles adoram “Na Natureza Selvagem”, a coisa mais chata já cometida na história. O playboy abastado branco que acredita ser muito transgressor só porque vai abraçar árvore e morrer envenenado. Me poupe, vai pagar boleto, filho.
Gente que diz “tentei gostar de ‘White Lotus‘, mas achei chato” ou “Não segui adiante em ‘Succession‘ porque os personagens são muito maldosos” ou “não entendi nada do filme ‘Aftersun‘” ou “não entendo quem curte o Xavier Dolan” ou não tem vontade de ajoelhar quando o Caetano Veloso ou a Liniker cantam.
Gente que não quis ser amiga do Hermann Hesse em algum momento da juventude. Que lê autoajuda sobre finanças mesmo sabendo que a editora Fósforo tem Annie Ernoux e a Todavia tem Mary Gaitskill, Pedro Mairal e Vivian Gornick.
Influencers que não entregam qualquer conteúdo e somente vendem seu lifestyle. Tipo “eu influencio pessoas a saber como arrumar uma boa mesa de jantar com temática ‘navy or nautical’.
Quem perde tempo com videogame, clube de tiro, curso de boas maneiras, dicas para agarrar um homem, chá de revelação, ensaio de casamento.