Em conjunto com essas manobras teve a nota oficial de Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, além de general da reserva, com um ataque a um pedido de apreensão do celular do presidente Jair Bolsonaro. A nota foi depois compartilhada pelo presidente e é óbvio que Bolsonaro não a viu de surpresa na internet. O pedido foi um simples encaminhamento feito pelo ministro Celso de Mello para a Procuradoria-Geral da República, a quem cabe a decisão.
O procedimento de Celso de Mello parte de uma “notícia-crime” que pode ser apresentada por qualquer cidadão ao STF. Neste caso, foram parlamentares do PDT, PSB e PV que pediram, entre outras coisas, a apreensão do celular do presidente. Ressalte-se aqui que é uma denúncia, nada mais, cabendo ao procurador-geral Augusto Aras analisar os pedidos dos deputados, abrindo ou não nova investigação no STF.
Aras já deixou claro que não é da competência de deputados propor diligências, no que concordo com ele, além de que os deputados também sabem disso. O que temos aqui é a esquerda se aproveitando de circunstâncias, mas cegos, neste caso, sobre o quanto é perigoso este momento do país.
Mas tudo isso que eu disse é do pleno conhecimento do ministro Augusto Heleno. Então, faltando sentido à nota quanto ao assunto tratado, o ministro só pode estar emitindo sinais com outro objetivo. Qual é então sua intenção real? Bem, ficamos todos emaranhados em uma porção de suposições, entre as quais misturam-se fatos reais, interpretações totalmente sem sentido, que vão gerando uma confusão dos diabos, com um clima excelente para profissionais da manipulação política, da desinformação e da criação de fake news.
O maior problema da atual instabilidade brasileira é que os desencontros acontecem sem que se saiba de fato o que cria tanta desunião. Pode ser inclusive uma medida de praxe, como a denúncia encaminhada por Mello para Aras, que nem engavetada seria.
O pedido é tão idiota que seu lugar é no lixo. Em outros tempos lá ficaria, mas não agora, com as informações caindo todo tempo na nossa frente. Esta é uma das complicações brasileiras mais sérias na era digital, pela falta de regras sociais — tradicionais e de comum acordo — que obriguem a uma responsabilidade coletiva que não dependa nem de leis. É tamanha a zorra que o golpe militar pode ser deflagrado até pelas tias do WhatsApp.
Ou pode até ser que o golpe do qual se fala demais nesses dias venha pelo Twitter. O que eu sei é que a alimentação da instabilidade no país pode ser estimulada por jornalistas, às vezes em um simples artigo, na tuitada ou mensagens de autoridades ou em longas entrevistas que acabam sendo recortadas e repassadas pelas redes sociais em trechos mais provocadores. É mais ou menos como aquele ódio que você sente de um post de um amigo ou parente, com a ressalva importante de que você não é um oficial da ativa.
Apenas como exemplo, para citar um desses lançamentos de gasolina ao fogaréu, na maioria das vezes sem intenção negativa, no domingo tivemos o vazamento de uma mensagem enviada na madrugada por Celso de Mello aos seus colegas ministros do STF, onde ele praticamente afirma que o golpe está em andamento. O ministro compara a situação até com a ascensão de Hitler, nos anos 30 na Alemanha, exagero que no nível das relações históricas o coloca emparelhado ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, que relacionou com as violências nazistas do episódio da “Noite dos cristais” as visitas plenamentes legais da Polícia Federal às casas de bolsonaristas, em busca de provas do inquérito do STF.
Outra aplicação inábil da palavra foi de Fernando Gabeira, logo ele que eu achava que até agora estava indo bem como jornalista. Gabeira publicou um artigo em O Globo que mais parece um manifesto, onde mais que confusão de linguagem ele incorre em confusão de propósitos. Pelo que ele diz, o golpe já está quase dado. Mas estamos salvos, a não ser que eu esteja errado quanto à penetração de O Globo e, claro, do alcance dos geralmente bons artigos de Gabeira. No artigo/manifesto, ele dá até instruções sobre a resistência ao “golpe de Estado”.
No alerta para o que ele define como o que “talvez seja a última grande luta da minha vida”, Gabeira propõe inclusive táticas para a resistência no plano internacional. Ele fala em “organizar núcleos de apoio na sociedade europeia e americana”, só não deixa claro se vão ser utilizados os esquemas internacionais do PT, que o partido do Lula usou para atacar instituições e desacreditar leis democráticas do nosso país, atuando de forma agressiva para a desestabilização política, da qual Bolsonaro tirou proveito para ser eleger. Bem, não vão poder vaiar pacíficos palestrantes na Europa, porque golpista não é pacífico nem dá palestra.
De modo algum estou relacionando Gabeira a esses descalabros irresponsáveis recentes da esquerda. Só procuro situar melhor as responsabilidades por esta crise, em grande parte devidas a um partido que conturbou o país, tentando impor o discurso do descumprimento das leis, na tentativa de evitar que seu chefão fosse pra cadeia. Também cabe a quem já tem certa idade compreender que a proposta de certos enfrentamentos pode na verdade servir mais para estimular a aceleração do problema que supostamente deve ser enfrentado.
Mas, voltando às devidas responsabilidades, a forma que Bolsonaro vem agindo agora para evitar ser incriminado e proteger seus filhos é mais ou menos a mesma coisa que o PT andou fazendo nos últimos tempos, com aquele papo do Lula livre. Claro que Bolsonaro já fez mais do que o suficiente para ser cassado, mas a verdade é que os espaços para a impunidade do seu desrespeito institucional e a agressão às leis foram abertos pelos petistas, com a complacência de grande parte de jornalistas, da classe política e com a cumplicidade de toda a esquerda.