O resultado é que em Ironia não falta comida. Ao contrário, a fartura é tanta, as safras descomunais, que as autoridades priorizam o abastecimento, em detrimento da educação. O resultado é que, em vez de escolas, Ironia tem redes oficiais de restaurantes e lanchonetes. E o povo é obrigado a frequentá-las.
Assim, o ano-letivo se passa não por entre classes e sim em meio a mesas e fogões. O corpo docente é formado por cozinheiras e mestres-cucas, e o reitor da universidade é um gourmet – todos, vai se ver, autodidatas. E o currículo é feito de noções culinárias e nutricionais.
O que se ensina em Ironia é como se saciar, como engordar. O que se aprende é como dar conta da produção hortifrutigranjeira. Tão ocupados ficam nisso que não há tempo nem pro abc. O resultado é que, nessa terra em que até sem plantar tudo dá, o povo é fofinho e corado mas padece de anemia vocabular e há surtos constantes de discordância verbal.
Por isso o irônico governo instituiu o programa Bolsa-Palavra, para atender aos desassistidos intelectualmente. Isto é, todos.
O Bolsa-Palavra contempla a população em idade escolar, desde que as famílias comprovem que não faltam às refeições diárias. O que é controlado em pesagens nos postos de distribuição. É que quanto mais nutridos, mais palavras recebem. Daí as tentativas de fraude: é comum alunos com nabos e pepinos nos bolsos diante da balança. Gramas por fonemas, pretende o golpe da criançada ávida por polissílabos.
Cada Bolsa-Palavra vem com porções básicas de vocabulário, que devem prover os índices mínimos requeridos pela OMS, a Organização Mundial de Sílabas. Mas como em Ironia é escassa a boa expressão, o programa apresenta falhas: palavras com grafia errada, pronúncia incorreta, falta de acentuação. Também se aponta desvio de verbos, que vão, justamente, para a alta cúpula dos comensais administrativos.
O resultado é que o Bolsa-Palavra continua ironizado.