© Myskiciewicz
Noite dessas, diante da tela da TV, onde se desenrolava um programa humorístico absolutamente sem graça, lembrei-me, com imensa saudade, de Ronald Golias, um dos maiores, senão o maior – ao lado de Chico Anísio – humoristas do Brasil. Golias tinha um personagem integrante do clã dos Guimarães – o Bartolomeu. Era um velhinho adorável, de cavanhaque e longos cabelos brancos, que pensava ser o Brasil ainda governado pelo marechal Deodoro da Fonseca e era fixado em banheiros. “É o local em que o homem se encontra consigo mesmo” – repetia o velho Bartô, prenhe de sabedoria.
Aí foi inevitável a lembrança, com idêntica saudade, do meu querido Rubem Alves, para quem o banheiro é “um refúgio, um santuário da solidão”. Mais: “um lugar de liberdade e honestidade”.
Rubens apenas implicava com a mania dos brasileiros de chamarem as privadas de banheiros. E justificava que, aqui, se alguém, em situação de necessidade, indagar “onde fica a privada”, receberá como resposta uma correção inicial: “Ah, você quer saber onde fica do banheiro… Fica ali, no final do corredor”. E o necessitado, que já tomara o seu banho do dia, ficará intrigado, imaginando o pior: “Banheiro?! Será que estou cheirando mal?!…”.
Aí, chegará ao “banheiro” e constatará que o equivocado fora o informante. Ali não haverá nenhuma banheira nem chuveiro. Só uma privada e um lavatório, exatamente o que buscava.
Rubem advertia que, entre nós, não é educado chamar privada de privada. Só de banheiro. Ou de toilette, que, segundo os dicionários, é o “ato de lavar, pentear e vestir”. No meu tempo de guri, lá no interior, privada era casinha e ficava no fundo do quintal. Mas isso já é outra história.
Então, Rubem Alves propunha – em mais uma de suas revolucionárias teses – que se recuperasse a dignidade da palavra privada. “As privadas podem se tornar lugares desemburrecedores, que excitam a inteligência” – sustentava. A tese faz sentido. As privadas, onde ninguém tem o direito de nos incomodar, é um lugar excepcional para a leitura. Ou para ter-se ideias. Concordo plenamente. Por experiência própria. Leio muito na solidão da privada. Li toda a coleção de Peanuts e de Asterix, Hagar, o horrível, “O Dono da Banca”, do curitibano Carlos Maranhão, um calhamaço de 500 e tantas páginas, e estou terminando de ler “Rita Lee – uma autobiografia”, onde a nossa roqueira-mor, maluquete de A a Z, grande figura, põe para fora todos os seus demônios interiores. No chamado banheiro já tomei também grandes decisões. Uma privada, às vezes, é altamente inspiradora.
Por tudo isso – e hoje mais do que nunca – continuo apoiando com entusiasmo a ideia de Rubem de que pais e mães, em nome da educação dos filhos e da sua própria, devem transformar as privadas de suas casas em bibliotecas. Minibibliotecas, é claro, mas “suficientes para operar grandes transformações nos que leem assentados no trono”. E aí as privadas, em vez de serem chamadas eufemisticamente de banheiros, poderiam ser chamadas de bibliotecas privadas.
Bastaria acrescentar no local uma pequena estante, ao alcance da mão do usuário. O acervo de leitura ficaria ao gosto de cada um. Mas não poderia faltar nas prateleiras, além dos já citados Peanuts, Asterix e Hagar, a obra do próprio Rubem, Adélia Prado, Mário Quintana, Mafalda, de Quino, e, claro, as aventuras do ranger Tex Willer, meu caubói favorito. Célio Heitor Guimarães