Foi a noite do criador e da criatura. Inaugurado pelo poeta Vinícius de Moraes, décadas depois o Paiol recebeu o seu criador como a estrela de um show que muitos consideraram, pelo inusitado, como o melhor espetáculo até agora apresentado naquele antigo paiol de pólvora.
A comparação não é nenhum exagero. O artista foi ao palco acompanhado por grandes músicos: Julião no bandolim e cavaquinho, Aluísio no violão, Vinícius na percussão e Nelson Gershon no teclado. Glória maior, Gebran Sabbag ao piano e Nireu Teixeira na caixinha de fósforo. Participação especial de Vinícius de Moraes, que parecia estar batizando aquela estréia com gotas de uísque.
“Uma estrela que se preza não divide o spot-light” é uma antiga frase recorrente de Jaime Lerner. Assim foi como homem público, assim foi na noite de sexta-feira. Com apreensivos aplausos, estreou todo de preto, todo exibido. Quando o silêncio se fez presente, a estrela sentou no banquinho e, com a mesma impostação de Vinícius de Moraes, contou porque a vida o ensinou a ser assim tão exibido.
Aos treze anos, Jaime ganhou sua primeira festa na data de seu Bar Mitzvah. Todos os amigos eram aguardados na casa da família com uma banheira repleta de cervejas. “Às 15h, na Rua Barão do Rio Branco”, dizia o convite. Eram 16h e não apareceu ninguém. Cinco da tarde, sem nenhum amigo ainda presente, ele ia e vinha pelo corredor: olho na vidraça, olho na banheira entupida de cervejas. Olho na vidraça, olho na banheira.
Eram dezoito horas, quando o anfitrião viu que os rótulos das cervejas já se desprendiam da garrafa, boiavam na água gelada da banheira. Os rótulos derretidos derreteram a esperança: não viria nenhum dos amigos. Não vieram, e os rótulos restaram boiando na banheira.
“Foi o dia mais triste da minha vida”, confessou a estrela, como se ainda estivesse olhando pela vidraça da janela.
“E, assim, decidi me tornar um exibido!”.Aos 70 anos, as pessoas merecem se dar certas licenças. Jaime Lerner se deu o direito de contar histórias, cantar sambas, boleros e tangos, como estes versos de Osíris de Brito: Na toalha de veludo / Em mi mágica me desnudo / De tragédia menestrel / Soy um tigre de papel – e até desafinou. Após três rápidos ensaios, o maestro Gebran deu o andamento aos músicos: “O tempo do arquiteto é diferente. Esqueçam do ritmo e vamos acompanhar o tempo do homem”.
Tramado há muito tempo pelo autor, o roteiro foi escrito durante uma recente viagem ao exterior, e só aconteceu por acaso. A data do teatro vagou e, em apenas cinco dias, tudo foi produzido pelos arquitetos de seu escritório.
Ao contrário da festa para mais de mil pessoas em Santa Felicidade, com muita galinha, polenta e políticos, o final da estréia de Jaime Lerner no palco terminou com um sapateado do gordo, um grande abraço na platéia “Este é o meu presente!” – e um coquetel bem curitibano:
empadinhas do Caruso, pastéis da confeitaria Oriental, esfirras da Família Sfiha, frutas secas e frescas e champanhe, muito champanhe.Dante Mendonça [11/12/2007] O Estado do Paraná.