A relação amorosa (eu quase diria: a relação sexual) entre nossa mente e aquela imagem luminosa gigantesca preenchendo o mundo à nossa frente. Uma relação ao mesmo tempo de desejo e desafio, entrega e controle. Por um lado, deixar-se embeber pelo filme, e por outro domesticar e subjugar o filme através de fórmulas mágicas criadas por mim mesmo, como estas linhas que escrevo agora.
Para os incréus, um cinéfilo é um intelectual pedante que diz entender filmes que ninguém entende, inclusive ele. Mas o cineclubista ou cinéfilo é o cara que não visa apenas “entender o filme”. Ele quer alcançar a vida que há por trás do filme. E mesmo que os simbolismos ou hermetismos de Bergman ou Godard continuem sendo grego para ele, ele pode, mergulhando no estudo de Godard ou Bergman, entender quem são esses caras, e o que são os filmes que fazem. Um cinéfilo olha uma cena e vê algo além do retângulo luminoso que é tudo que o espectador comum enxerga. Ele percebe como aquilo foi feito tecnicamente. Ele sabe que aquele movimento de câmara deve ter exigido dias de ensaio. Ele entende que certo efeito de iluminação não está ali por acaso, foi discutido noites a fio ao redor de uma mesa.
O cinéfilo vê o filme e espreme o sumo do prazer estético do filme, sabendo, ao mesmo tempo, o sangue, o suor e as lágrimas (para não falar nos dólares e nos reais) que aquele filme exigiu de quem o fez. O público vê o drama dos personagens; o cinéfilo deduz, do que vê na tela, os dramas de toda aquela longa ficha técnica cujas funções ele conhece. Ele sabe dos bastidores, dos camarins, entende a luta pelo poder que resulta num diálogo, numa cena, num corte. O público se emociona com a história, vê o filme como se o vivesse. O cineclubista se emociona com a história dos que contaram essa história vista pelos outros. Ele vê a vida por trás do filme, e com isso aprende a ver a vida por trás da vida.