O Blog do Fábio Campana, depois de sua morte, passou a ser Travessa dos Editores. Não sei quem está editando. Este texto, escrito por ele em 2010 está no site, que me deixa muito feliz pela lembrança. Obrigado, Fábio, por tudo, sempre.
Ele nos faz rir, e como, porque mostra, pelo avesso, o desconcerto do mundo, o desatino dos homens, a loucura das nações e, principalmente, a ridicularia de políticos em sua bufonaria cotidiana. Hoje Solda tem um blog que bate recordes de visitação. Tornou-se uma referência do humor e da cultura neste país que muito precisa do humor crítico para desvelar constantemente suas mazelas.
Em nossa cultura periférica e reflexa o humorista costuma ser tratado como intelectual menor, dedicado ao circunstancial e de maneira superficial. Pois, pois, é necessário rever esses conceitos correntes nesta área do planeta sempre que nos deparamos com a genialidade de humoristas como Millôr Fernandes, Jaguar e o nosso Solda.
Creio que foi Roland Barthes que escreveu que o que causa o riso é a repentina transformação de uma expectativa tensa em nada. Aquela incongruência subitamente introduzida na ordem habitual ou lógica dos fatos é a motivação do riso e do cômico. Solda é um mestre nesse ofício, que exige mais, muito mais, do que a simplória capacidade para a piada que alguns confundem indevidamente com humor.
A capacidade do Solda para se distanciar e enxergar de outro ponto de vista que nos leva ao estranhamento diante da obra dos homens. A essência do seu humor está no contraste entre o sentido e o desatino, no contraste das representações – surgidas dos deslocamentos de significados – e nos seus desdobramentos no desconcerto que leva à perplexidade.
Os humoristas do quilate do Solda, por olhar tudo com o senso crítico apurado, demonstram sua inadequação para estar no mundo. Um mundo que ainda produz misérias, guerras e poderosos que insistem em tornar a nossa vida mais difícil.
O próprio Solda viveu uma experiência radical durante quase uma década. Isolou-se do mundo, temeroso de suas armadilhas e receoso de repetir o final de amigos muito próximos que sucumbiram. Entre eles, o mais próximo foi o escritor Paulo Leminski, com quem Solda conviveu durante anos de bar e criatividade etílica.
Foi preciso que ele se internasse em uma clínica psiquiátrica antes de voltar a encarar o mundo com a coragem do humorista. Mesmo dentro do hospital, onde encontrou amigos artistas, Solda exercitou sua veia de humor. É desta época uma de suas histórias impagáveis. Solda gostava de ficar nas grades do portão da clínica para falar com as pessoas que por ali andavam. A pergunta que fazia ao passante era surpreendente: “tem muito louco aí dentro?”
Primeiro o susto, depois o espasmo e a seguir o riso. Ora, pois, o que nos faz rir também nos provoca inquietações e nos convoca a sair da modorra, da mediania, da medíocre vida comum.
Solda é paulista de Itararé e, segundo ele, teria participado da batalha que não houve. Mas foi em Curitiba que despontou como um dos maiores craques do cartum brasileiro. A sua história inclui passagens pelos principais jornais do Paraná, colaborações em veículos como Pasquim e Bundas e prêmios em vários salões pelo País.
Há um livro que faz jus ao seu talento. Intitulado simplesmente Solda (formato 25 x 25 cm, 144 páginas em papel de luxo, capa dura e sobrecapa), com prefácio de Jaguar, traz um resumo de sua carreira, com cartuns de várias épocas.
A “marca registrada” de Solda é o uso de letras e números nos desenhos. Ao mesmo tempo em que esse efeito compõe o quadro, torna-se parte integrante do trabalho gráfico. No livro há seis desenhos curiosos, que fogem um pouco a esse estilo, nos quais o cartunista mostra suas versões (bem distorcidas) de Mafalda, Alfred E. Neuman, Pato Donald, Snoopy, Capitão América e Superman.
Fábio Campana|Revista Ideias|Dezembro|2010