O STF olha para o abismo

Proteger o Estado Democrático de Direito passando por cima do que faz valer a pena defendê-lo é um perigo

Alexandre de Moraes autorizou mandados de busca e apreensão contra empresários que defenderam um golpe de Estado em um grupo de mensagens privadas. Além disso, decretou bloqueio das redes sociais dos investigados. Segundo apuração da Folha até agora, o ministro do STF atendeu a um pedido da PF que tinha como base apenas a reportagem que vazou as mensagens.

Toda lei criminalizadora pretende proteger um bem jurídico. A lei supostamente infringida é o artigo 359-L do Código Penal: “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito”. Logo, o bem jurídico é a democracia.

Ora, mas como dizer “Prefiro golpe do que a volta do PT” ataca esse bem jurídico? Trata-se de mera conjectura, opinião, que sequer foi publicizada. A lei é clara ao especificar o ato criminoso: é preciso “tentar”, e “tentar com violência ou grave ameaça”. Nada nas falas divulgadas se enquadra nessa especificação.

Os empresários podem ser investigados, mas bloquear as redes sociais já configura uma espécie de punição que infringe a liberdade de expressão. Afinal, nada sobre golpe foi dito nas redes sociais, e, se fosse dito, bastaria ordenar a exclusão de tais postagens. Ou seja, puniu-se um ato que sequer ocorreu, o que configura uma criminalização antecipada.

O que vemos, então, é uma infração do princípio da lesividade (uma conduta só pode ser criminalizada se afetar o bem jurídico) e do princípio da proporcionalidade (o Estado não pode ir além do necessário para proteger um bem jurídico). Esses princípios constituem a cláusula do devido processo legal, que visa controlar o poder punitivo estatal para evitar a privação arbitrária de direitos individuais (como a liberdade de expressão).

O caso lembra aquela máxima de Nietzsche: “Quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você”. Ou seja, ao tentar proteger o Estado Democrático de Direito a qualquer custo, acaba-se agindo como os que querem destruí-lo.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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