Relatório do governo federal informa que 47% dos idosos são tidos como inúteis pelas respectivas famílias. As famílias neste caso são ingratas e de memória curta: esquecem de quando foram bebês, crianças e jovens inúteis e sobreviveram pela utilidade ainda proveitosa dos pais. As famílias que podem pagar mantêm seus idosos em casa ou em abrigos, chamados de lares e hotéis dependendo do custo e facilidades para assisti-los.
Dou meu depoimento, um idoso que recusa aceitar a condição: desde jovem, recém casado, no vigor da juventude, recebo da mulher o vocativo “inútil”, que ela afeta ser carinhoso (um tratamento que não retribuo em homenagem à sua extrema utilidade comigo). Envelhecer é um fardo tanto para idosos “inúteis” quanto para os jovens “úteis” que os toleram. Certo estão os elefantes com seu tropismo para a morte. Quando o animal pressente seu fim afasta-se da manada para morrer, isolado, em área distante.
Na Europa desenvolvida – Holanda e Suíça – existem os serviços de suicídio assistido, um recurso que nossos idosos teimam desconsiderar e os filhos temem sugerir. Na biografia do cronista Rubem Braga impressionou-me a informação, ao final do livro, sobre seu internamento e morte para tratar um câncer terminal, que na realidade foi suicídio assistido, cercado de discrição e sigilo. O suicídio, disse Albert Camus, é a única questão filosófica relevante. Sempre penso nisso – mesmo quando me sinto inútil.