Agora, sim, é o fim da linda história que começou em Lisboa, em 1909, quando a pequena Maria do Carmo, dez meses, embarcou para o Rio com sua família, tornou-se Carmen Miranda aos 20 anos, em 1929, e zarpou para a glória na América aos 30, em 1939. Morreu Russinho, seu último músico ainda vivo —o último a nos poder contar como Carmen entrava em cena, suava a baiana e hipnotizava a plateia com aqueles olhos verdes.
Russinho era José Soares, carioca, 92 anos e morador havia quase 70 da Baja Califórnia, no México. Integrou o grupo que tocou com Carmen nos EUA a partir de 1949, o segundo Bando da Lua —o Bando original, que partira com Carmen para Nova York, dissolvera-se em 1943. Russinho era o arranjador vocal do conjunto, com a tarimba que ganhara no Rio ao fazer parte, muito jovem, dos Namorados da Lua, de Lucio Alves, e dos Anjos do Inferno, de Leo Villar.
Era também o pandeiro do grupo, como se vê em “Romance Carioca”, musical de Carmen na Metro em 1950 , em que ela dança com o turbante de sombrinhas e Russinho, vestido de palhaço, abre o número no alto do cenário. Era o músico favorito de Carmen, mais do que Aloysio de Oliveira, seu ex-namorado e que ela relegara a funções profissionais. Só o doce Russinho poderia ter reagido com um soco à arrogância de David Sebastian, marido americano de Carmen, e, em vez de ser demitido, ouvir dela: “Você tem uma direita, hein, Russinho?”.
O Brasil não sabe o quanto deve a Carmen, ele dizia. Levou anos lutando para que ela ganhasse uma estátua no Rio. Pediu-a em cartas para Lula, Dilma e Temer, sem resposta. Para Bolsonaro, nem tentou —convenci-o a economizar o selo. Por Russinho, a avenida Atlântica se chamaria avenida Carmen Miranda.
Tinha grande senso de humor e sua voz, belíssima, não acusava idade. Russinho, Zeca para os amigos, morreu no México, dormindo, de um AVC, no dia 22 último.