Numa palestra no evento “Noites com Vampiros” (Caixa Cultural, Rio), com Júlio França e Júlio César Jeha, discutimos algumas dessas máscaras qe o vampiro usa, ou melhor dizendo rostos, porque o vampiro, sendo um mito, não tem existência física a não ser no rosto que dele enxergamos. O mito é um feixe de estímulos potentes, contraditórios, imperiosos. A experiência do mito é sempre única, intransferível, porque é a soma do estímulo (um livro, um filme, uma imagem, etc.) com a nossa resposta a ele.
O vampiro criado por Stoker acabou se encarnando num aristocrata da Europa Oriental, um trecho sempre problemático do império britânico, aquele “onde o sol nunca se punha”. A Transilvânia parece um local onde o sol nunca nasce, pelo menos na severa iconografia que o livro de Stoker inspirou. É um lugar atrasado onde se acreditam em bruxas, maus-olhados e feiticeiros. Já a Inglaterra era a Inglaterra de Allain Quatermain, Sherlock Holmes, a Inglaterra hoje romantizada e até desmedulizada numa parte do Steampunk, que esquece o lado cruel daquele processo todo, um “Casa Grande & Senzala” muito mais brutal. A Inglaterra onde o Conde Drácula surge como um aristocrata cada vez (no cinema) mais sofisticado, mais byroniano, mais baronial, mais carismático e magnético, o nobre capaz de dar uma ordem com um simples olhar – a outro nobre.
É mais simples dizer que o poder de Drácula é o poder que a Europa já teve e com o qual sonha, com seu Impossível Retorno. Mas numa sociedade cada vez menos aristocrática e mais propensa a mitologizar o aristocrático, Drácula tem o poder e o carisma do patrão cruel visto pelos olhos do escravo agradecido. É a versão masculina da Ayesha de H. Rider Haggard: Aquela A Quem Devemos Obediência. O cavalheiro de olhar penetrante, o herói byroniano diante de quem todos se curvam, e se curvam com gratidão e maravilhamento.