As últimas folhas do outono caindo, eu à toa em Paris, o curso de jornalismo só tinha aulas à noite. Não havia internet, mas a gente sabia de tudo pela mídia impressa. E tínhamos o tempo todo do mundo para explorar aquela Disneylândia cultural. Foi assim que eu e uma americaninha ruiva nos vimos no Collège de France para uma aula sobre “Ch’an: o elo chinês do budismo zen”.
O Collège de France, fundado em 1530, era uma instituição única, sem diplomas, privilegiava a erudição pela erudição. Ao adentrar a sala do curso, topamos com uma pequena assembleia de senhores sisudos de terno e gravata, 430 anos de seriedade acadêmica nos contemplavam. Delicadamente, nos deram a entender que os debates seriam em chinês antigo, o cardápio nos apetecia?
Meia-volta, volver, saímos dali com o rabo entre as pernas, Bunny Dexter e eu. Tomamos um café no zinc da esquina e discutimos nossos reles conhecimentos de zenbudismo, adquiridos via beat generation. Bunny era de algum lugar do Meio-Oeste americano, Paris estava cheia de jovens de todos os cantos. No Centre de Formation des Journalistes eu tinha um colega senegalês, Cissé, me perguntava sempre: “Messiê Muggiati, est-ce que tu connais vraiment le Roi Pelé?” Para ele, o Brasil era um vasto império dominado pelo Rei Pelé.
Visitei Bunny Dexter no seu apartamento do 9, rue de Mezières, 2eme étage, perto da igreja de Saint-Sulpice. Sua companheira de quarto era mais interessante, convidei-a para sair. Não havia inferninhos cariocas na noite de Paris e os inferninhos de Paris eram bem mais caros, queimei minha primeira folha do talão do American Express Travelers Cheques.
O problema com os jovens em Paris no início dos anos 60 era que, de repente, eles se viram totalmente livres, e não sabiam o que fazer com sua liberdade. Pássaros com asas que não sabiam voar.
Enfim, uma lição aprendi. O pequeno apartamento de Bunny Dexter e amiga não tinha janelas. Desconfie sempre das garotas que moram em apartamentos sem janelas em Paris.