No artigo O Profeta, assim Getúlio chamava Samuel Wainer, Malta conta como encontrou pela primeira vez aquele de quem seria o braço esquerdo, em artigo escrito dias após a morte do grande amigo:
“Conheci Samuel Wainer em agosto de 1938, na redação de A Tarde, um tabloide vespertino, de Oto Paulino e Xavier d´Araújo. Apresentou-nos Carlos Lacerda, na época meu amigo íntimo e de Samuel. N´A Tarde, Carlos e eu trabalhávamos, desde maio, no ágil quotidiano, mas fora de folha. ´Free Lancer. Éramos jornalistas malditos… Samuel, não”.
“Havia lançado Diretrizes em abril daquele ano, pouco antes do frustrado golpe integralista contra Getúlio no Palácio Guanabara. Era, tipicamente, uma revista antifascista, sem ser anti-Estado Novo. Característico: A Cruz de Bayer (cruz gamada) e O Coro dos Punhais, dois artigos de seu primeiro número. Diretrizes era uma publicação mensal, de economia, cultura e política”.
“Carlos Lacerda e eu havíamos chegado ao Rio, depois de alguns meses de ausência, no outono de 1938. E nos reencontramos na Praça Olavo Bilac (Mercado das Flores), juntos, nos encaminhamos para A Tarde, que funcionava num prédio da Rua Buenos Aires, onde fora em 1935 a redação de A Manhã, de Pedro Motta Lima. Oto Paulino e Xavier d´Araújo nos acolheram de braços abertos. Deram-nos trabalho integral, mas sem vinculação, atendendo aos preconceitos oficiais…”.
“Mas somente em agosto ocorreu a oportunidade de minha ligação com Samuel Wainer, numa visita que ele fez à redação do tabloide, à procura do Carlos. Foi, entretanto, uma ligação longa, do tamanho de uma vida. Uma vida, a dele, rica de conteúdo, de lances, de emoções, de fatos criativos e que, agora, terminou, numa surpresa, com a mais profunda repercussão”.
O livro de Malta vai além, fazendo críticas e violentar críticas ao regime militar. As contradições da UDN; As lágrimas de Cordeiro de Farias; Marechal (Castello Branco) quer ensinar padre a rezar; Todo poder aos estudantes; e, o MDB é uma necessidade.
No 20º aniversário de Última Hora, escreveu o texto Última Hora, a vocação do povo. Antecipando o ChatGPT, no artigo A liberdade e o cérebro eletrônico, antevê que os jornais seriam escritos por cérebros eletrônicos, o que pouparia os jornalistas das prisões. Um ensaio profundo é A marca da violência na história do mundo. Os três últimos artigos tratam de assuntos variados: A liberdade e os nós em que estamos enrolados; Candangos e a reforma agrária; e Os 400 anos de Goiana.
O livro é farto em fotografias, se destacando uma, tirada no Presídio Frei Caneca, onde dezenas de presos aparecem por causa do episódio denominado de “Intentona Comunista”, a maioria sem camisas. Dácio Malta identifica seu pai, o médico Campos da Paz e Apolônio de Carvalho. Eu identifiquei o Barão de Itararé, já com barba cerrada e um cigarro na boca. Todos os presos que posaram para a foto estão com os braços levantados, punhos cerrados. O único que está com o braço esquerdo levantado é Octavio Malta, todos os outros levantaram o braço direito.
O grande jornalista, nas palavras de seu filho: “… morreu num dia de muita notícia: 25 de abril de 1984, data em que o Congresso enterrou as diretas. Na noite anterior, ele foi para a janela de seu apartamento, no Flamengo, bater panela como a maioria dos brasileiros que queriam votar para Presidente. Pela manhã, esteve na ABI, onde foi pagar a mensalidade e ficar apto a votar na renovação de um terço do Conselho. Rubem Braga foi com Otto Lara Resende ao enterro de Malta. Depois lamentou, em artigo, que ambos ficaram à sombra de uma árvore do Cemitério São João Batista, ao invés de fazer como os mais velhos que, enfrentando o calor forte e uma enorme escadaria, foram até à beira da sepultura, como foi o caso de Barbosa Lima Sobrinho e Luís Carlos Prestes. E ainda saíram dali, por volta das 5 da tarde, para subir em um palanque armado na Cinelândia, onde se realizava o último comício pró-diretas. No caixão, Malta certamente se deliciou com o gesto. Ele sabia muito bem que a luta deveria continuar”.
Pela última vez, passo a palavra a Dácio Malta: “Paulo Francis lembra que todos respeitavam Malta e o amavam como símbolo de um radicalismo que hoje me parece atenuado ou reduzido à demagogia no Brasil. Ele não queria nada para ele. Cuidava da família e vivia do salário de redator. A última vez que o vi, acho que em um café da Rio Branco, em 1969, perguntei a ele o que me dizia da nossa situação. Não me vendi. É a resposta”.
“Não me vendi!” Quantos homens podem dar essa resposta quando perguntados? (Referência: “Octavio Malta: jornalismo de combate”, organização de Dacio Malta, 1ª ed. Rio de Janeiro: Dacio Gomes Malta, 2022. Composto e Impresso pela CEPE: Companhia Editora de Pernambuco.)