Oi, Zeca! Então, tchau!

Em uma rua do passado, ele era o diretor de bateria da Escola de Samba Não Agite. Fazia o samba rolar cadenciado, proibia que machucassem o couro do instrumental. Todos tocavam bonito, com uma paixão harmoniosa que só ele sabia inspirar.

Viajo até lá e posso ouvir, primeiro de olhos fechados, pra nunca mais esquecer aquele som. Então, abro os olhos devagar e vejo a bateria. Todos estão fantasiados com macacões e bonés de operários, em verde e rosa, as cores da Escola. Ele, também, à frente, com a mão direita sinalizando as evoluções e o apito na boca, debaixo do bigode. Quando a bateria está pronta para o espetáculo, vejo que há um lugar vago na primeira fila. Faltava um sambista, o Alcy do agogô. O diretor pega um agogô prateado, reluzente, mostra para toda a Escola e o coloca gentilmente sobre o asfalto, no lugar que desde sempre pertencera ao Alcy, morto uns dias antes do ensaio geral. O que acontece a partir desse gesto, é quase impossível descrever. Ele ergue o braço direito, a mão indica que faltam 3 compassos para o breque, 2, 1, a bateria para e deixa o solo para os bambas. O pequeno conjunto – surdo, reco-reco, tarol, agogô e tamborim – levanta a arquibancada. Ele apita e a bateria volta completa, o povo faz silêncio para ouvir aquela maravilha. A bateria está na mão dele e o samba é de tal modo sublime que ele abre os dois braços e gesticula, baixa as mãos em direção ao asfalto, e a bateria vem com ele, baixando o volume, baixando, baixando até soar numa quase-surdina. A plateia acompanha de queixo caído e ouvido ligado. De repente, ele vai subindo os braços devagar, vai subindo desde o chão até o céu estrelado. E a bateria vem junto, aumentando o volume devagar até chegar ao máximo, o samba rasgado, quente, feiticeiro, arrancando o maior aplauso já ouvido na história do carnaval curitibano.

Foi uma noite de glória, que o nosso diretor de bateria gostava de lembrar e sempre falou sobre ela com grande orgulho e prazer. Tenho muitas outras coisas para contar a respeito dessa pessoa extraordinária e desse amigo que depertou meu interesse pelas artes e conduziu minha formação com rigor e generosidade por mais de 60 anos. Ainda vou contar.

Hoje, eu me despeço dele com essa história maravilhosa, sem coragem para escrever que o José Maria Pires morreu.

Palavraria

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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