Olívia (Olivia Corsini) é uma atriz que está ensaiando a peça “A Gaivota”, de Anton Tchekov, quando descobre que está grávida. Enquanto a produção avança, o bebê dentro dela cresce e um acidente a afasta da montagem, que tem seu companheiro como protagonista. De repouso em casa por semanas, ela lida com as bruscas mudanças em sua rotina, seu corpo e sua vida em geral.
(1h 25min), direção de Petra Costa e Lea Glob, 2014, Pandora Filmes, Brasil, Dinamarca, França e Portugal.
Diário de um bebê em gestação
Petra Costa fez sucesso no circuito de arte com seu primeiro trabalho na direção, o revelador Elena. A comoção decorrente do documentário, que aborda com sensibilidade nuances em torno da depressão, fez com que existisse uma certa expectativa sobre o que ela faria a seguir. A resposta está em Olmo e a Gaivota, um filme bastante complexo em vários sentidos.
Olmo e a Gaivota – FotoA começar pela própria produção do longa-metragem, dividida entre cinco países e com a chancela do oscarizado Tim Robbins como produtor executivo. Petra também não está sozinha na direção, dividindo a tarefa com a dinamarquesa Lea Glob, exigência do modelo de financiamento implementado. Entretanto, o maior desafio de Olmo e a Gaivota está diante das telas: trata-se de um filme dúbio, mais ficção que documentário, que ainda por cima conta com intervenções das próprias diretoras durante o processo de filmagens. Tudo para adentrar na intimidade de um casal de atores que, às vésperas de uma importante turnê por Nova York e Montreal, precisa lidar com a gravidez.
Para que a proposta fosse bem sucedida, era essencial que as duas diretoras conquistassem a confiança de Olivia Corsini e Serge Nicolaï, intérpretes do casal protagonista. Por mais que não seja exatamente a vida deles que esteja retratada nas telonas, há em cena o acompanhamento da gravidez – real -, com todas as instabilidades decorrentes da gestação. Das preocupações sobre o quanto ter um filho afetará a vida profissional dela até questionamentos sobre se será uma boa mãe e o próprio corpo, em permanente transformação. Todo este processo é a grande beleza do longa-metragem, não apenas pela proximidade oferecida ao espectador mas também pelas variadas nuances exibidas, tão reconhecíveis para quem já teve um filho ou conhece alguém próximo que passou por este momento.
Olmo e a Gaivota – Feminino por natureza, Olmo e a Gaivota é um grande exercício de linguagem cinematográfica que, se por um lado surpreende com certas ousadias, por outro às vezes se torna vítima de sua própria proposta. Um exemplo é a tal interrupção das diretoras, cuja voz em off faz com que os atores conversem diretamente com a câmera. Após a surpresa da iniciativa, percebe-se que ela na verdade é mais estilística do que propriamente em prol da narrativa, já que a única informação relevante para a história contada é a reação de Olivia quando questionada sobre uma possível infidelidade do marido. Ok, as intervenções transparecem ainda uma sintonia entre direção e atriz, mais uma vez ressaltando a intimidade obtida, mas isto já está transparente em outros momentos do longa-metragem onde não há esta quebra da quarta parede, como nas próprias reflexões da personagem principal. Ou seja, é um extra que, no fim das contas, não é tão essencial assim.
Apesar de certas irregularidades ao longo dos 87 minutos de duração, decorrentes muito mais do formato estabelecido do que propriamente sua história, Olmo e a Gaivota é um filme bastante interessante que merece a atenção, pelo olhar feminino revelado e, paradoxalmente, o próprio formato estabelecido. São os ônus e bônus de se ousar tanto, algo que também havia acontecido com a diretora em Elena, graças à exposição assumida de sua vida pessoal.
Filme visto no 17º Festival do Rio, em outubro de 2015
Francisco Russo – Adoro Cinema