Os amantes

Ele a conduzira até a luz branca, aquele estágio da iluminação a partir do qual pessoas, patrimônio, valores morais, tudo, vira poeira. Abriu portas inteiramente novas para ela. Mais do que qualquer homem. Mais do que todas as mulheres com quem farreou. Hoje, beirando os 4 ponto 4, sente-se viva. Exsuda – para usar uma expressão que adora, exsuda energia.

Não mais a desiludida coveira dos próprios sonhos. Não mais a amarga sacerdotisa da siririca. Uma mulher plena. Senhora do seu destino, dos elementos e dos mistérios. Agora, apaixonada, quer casar-se com ele. Afofá-lo. Chamá-lo por apelidos carinhosos, que só os dois entendem, Cadinho, Dogão, Benito (este, parece, referência à careca de Mussolini). Tem ímpetos de correr na chuva com ele. Quer levá-lo a Paris para ver a torre. Assinar a Contigo para saber das fofocas e depois assistir novelas ao lado dele mostrado erudição. Super-classe média.

No processo, conheceu a felicidade dos idiotas. Fez lutinhas de travesseiros com o espelho. Formou rodas imaginárias de par ou ímpar – adorou, mesmo perdendo sempre. Trocou Mahler, seu favorito, pelos CDs do Latino. E fez uma opção de vida: saem as bolsas Victor Hugo, a drenagem linfática três vezes por semana, o petit gâteau, o Peugeot novinho na garagem, o Amex Platinum, entra – tará! – Sua Majestade, o Sexo. Cinco, dez vezes por dia. Acha aquela coisa enorme, invasiva, o máximo. Sempre em riste.

Sempre pronto para o embate. Adora sentí-lo penetrar fundo, 25 centímetros lá dentro. Sim, 25 – um cavalo. Ama quando ele ordena, bem baixinho: Pega na benga e diz I love you! Graças a ele, descobriu o pubococcígeo, um músculo escondido nas entranhas, o qual, tocado, torna-se um portal para orgasmos nirvânicos; o céu mitológico revela-se neles. Orgasmos, sim. No plural. Quantos quiser, a hora que bem entender – e olha que nem precisa rolar clima. Aprendeu a transar na posição 28 do Kama Sutra: de costas, com os joelhos tocando o queixo. A gozar dentro de aviões, em cerimônias oficiais, se apoiando em pias de cinemas.

Houve até aquela vez (única, uma heresia) em que experimentou um orgasmo místico – no confessionário. Vive banhada. Molha-se só de pensar. Sua expressão de felicidade – a cara de bocó ornamentada por uma língua que estala freneticamente – é motivo de inveja entre as amigas. Que bosta de ser humano, antes, a levou até tão longe? Se for para o céu, carrega ele junto, escondido entre as pernas. Despachada para o Inferno, aproveita e pede para conhecer o pai do noivo. Não tem pra ninguém.
Ele, o vibrador – ele é o cara.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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