Na próxima semana Lula chegará aos cem dias de governo. Como fazem quase todos os governos, a data será comemorada com promessas e propaganda. Contudo, a melhor comemoração desses cem dias está na comparação do mesmo período com os de seu antecessor.
Nos primeiros cem dias de Bolsonaro, foram demitidos dois ministros.
Primeiro caiu o secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno. Esse advogado carioca ligara-se ao capitão quando todos os bolsonaristas cabiam numa Kombi. Em fevereiro de 2019, ele foi atropelado por intrigas do círculo familiar do presidente e saiu arrependido: “Tenho vergonha de ter acreditado nele. É uma pessoa louca, um perigo para o Brasil”. Bebianno morreu meses depois, aos 59 anos, entristecido.
O segundo ministro a cair, perto da marca dos cem dias, foi Ricardo Vélez, da Educação. Personagem pitoresco, teria sido recomendado pelo escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo. Pouco depois de assumir, Vélez disse que “o brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião”. Antes mesmo dos cem dias, Olavo de Carvalho informava: “E eu sou o guru dessa porcaria. Eu não sou o guru de merda nenhuma”.
Competindo com as excentricidades de Vélez, o primeiro chanceler de Bolsonaro, o diplomata Ernesto Araújo, assumiu falando grego e tupi durante o discurso de posse. Inaugurando a prática das caneladas na China, ele dizia que “lembrar-se da pátria, não é lembrar-se da ordem liberal internacional, não é lembrar-se da ordem global. (…) Vamos escutar menos a CNN e mais Raul Seixas”. Tempos depois o doutor diria que “sejamos pária”. Conseguiu.
Bolsonaro chegou ao Planalto querendo forjar um novo tipo de relação com os militares. Saudando o antigo comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, mostrou o cabo do revólver: “Meu muito obrigado, comandante Villas Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por estar aqui. Muito obrigado, mais uma vez”. Semanas depois, mostrou o cano: “Democracia só existe se as Forças Armadas quiserem”.
Os primeiros meses de Bolsonaro serviram para que seus colaboradores e aliados distribuíssem utopias. O superministro da Economia, Paulo Guedes, prometia reformas que salvariam o país dos “piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro”.
Wilson Witzel, um juiz desconhecido que havia sido eleito governador do Rio de Janeiro na onda bolsonarista de 2018, prometia severidade na defesa da ordem: “A Lei Antiterrorismo pode dar penas de 50 anos, em estabelecimentos prisionais destacados, longe da civilização. Precisamos ter a nossa Guantánamo”. Em 2021, a Assembleia do Rio retirou-o do cargo, aceitando as denúncias de corrupção que arruinaram seu governo. (Ecoando conversas, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, defendia a abertura de cassinos na cidade.)
Nos primeiros cem dias de seu governo, Bolsonaro fez pelo menos 82 afirmações falsas. Além disso, escanteou o vice-presidente, general Hamilton Mourão, transferindo seu gabinete para um anexo do Planalto. Durante o Carnaval, postou um vídeo escatológico.
Isso tudo antes da chegada do vírus da Covid.