Os gênios estão matando os gibis

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© Walt Disney

Como sabem os doze… (já foram quinze, o famoso “Grupo dos 15”, que acabou definhando ao longo do caminho). Mas, como eu dizia antes do oportuno parêntesis, como sabem os doze abnegados que ainda se dão o trabalho de ler estas mal traçadas, fui um leitor voraz de quadrinhos. Aprendi a ler e me fiz gente lendo Monteiro Lobato e Adolfo Aizen, o mítico criador e diretor da Ebal.

Quando criança, lá no Interior, além dos sonhos de ser locutor de rádio, jornalista e advogado, eu embalava um outro: ter um quarto cheio de gibis. Coisa assim como o forte de dinheiro do Tio Patinhas. Hoje, aqui na Capital, tenho e não sei o que fazer dele. Vivesse nos Estados Unidos, terra dos leilões, estaria com o resto da minha existência garantida financeiramente. Não só a minha, como a de meu filho e dos meus netos.

Só para ilustrar: uma família norte-americana ficou milionária ao vender uma coleção de gibis que, nos Estados Unidos, ficou conhecida como D copies e continua gerando lucro para cada comprador que a revende. Outra família salvou a casa hipotecada ao vender suas milhares de revistas em quadrinhos. Um  exemplar de Detective Comics # 27, lançado em 1939, foi arrematado por mais de um milhão de dólares. Uma cópia de Action Comics # 1, de 1938, foi vendida em leilão por US$ 3,2 milhões. Por 2,6 milhões de euros, uma ilustração de Hergé foi comprada na Europa. Mais:The Incredible Hulk # 1, que em 1970 já valia seis dólares, subindo para US$ 65 mil em 2010, estava sendo vendida em 2013 por US$ 105 mil (uma valorização de 40 mil dólares em apenas três anos). Tem cabimento? Para os loucos por gibis norte-americanos e europeus, tem. E olha que eles enxergam o mundo através dos cifrões.

Aqui, a coisa é bem diferente. Tirante os colecionadores, cada vez mais raros, o mercado de quadrinhos fica restrito aos sebos. E cada um pratica o preço que bem estende. Com uma bruta diferença entre os valores de compra e de venda. Um dos mais conhecidos sebos de Curitiba está pedindo R$ 180 pelo Almanaque de Super-Heróis de 1980, R$ 170 por Flecha Ligeira # 3 e R$ 600 pelo Almanaque de O Globo Juvenil de 1948. Mas se você oferecer-lhe esses mesmos exemplares ele lhe dará pouco mais de R$ 10 por cada um, se não preferir comprar o material por lotes, ao preço médio de R$ 4 o quilo…

Passei a minha vida entre as HQs. Também cometi os meus artigos teóricos… E assim fui levando até me tornar septuagenário. Tinha aliviado o pé no acelerador, havia uns 20 anos, mas ainda acompanhava de perto o mercado quadrinizado. Tornara-me mais seletivo, adquirindo apenas alguns poucos títulos que entendia ainda palatáveis. Já reunira uma das maiores coleções do país, que nunca tive a curiosidade de somar, com exemplares desde os anos 50, editados pela Ebal, Rio-Gráfica, O Cruzeiro, Abril, LaSelva, Vecchi, Outubro, GEP, Globo, Bloch, Devir, Mythos, Opera Graphica, Panini, Edioro, Pixel Media…, e ela me supriria a necessidade do resto da vida.

No início de 2014, perdi totalmente a paciência com os editores. Desesperados com a queda do mercado e a concorrência dos games e outras distrações afins, eles enlouqueceram. Aboliram a retícula e passaram a produzir gibis pelo computador; repaginaram os heróis, descaracterizando-os completamente, extraindo-lhes a essência e afogando-os em argumentos imbecis e absurdos, repletos de violência e nenhuma criatividade. Um bom exemplo foi Superman (ou Super-Homem, na minha época), o primeiro grande herói fantasiado dos comics. Já haviam lhe tirado os poderes, condenado ao exílio, transformado em cyborg, em hippie, em mutante e até em presidente dos EUA. Matar, já o tinham matado umas quatro ou cinco vezes. Conseguiram fazê-lo casar-se, enfim, com desesperançada Lois Lane, mas esse casamento foi logo esquecido. Agora, suprimiram-lhe a capa, e a tradicional malha azul e vermelha foi trocada por calças jean, camiseta de mangas curtas e botinas de cadarços… Não resisti: despedi-me publicamente do herói de Krypton.

Outra vítima está sendo O Fantasma (The Phanton), o primeiro personagem mascarado dos quadrinhos. Criado por Lee Falk, nos idos de 1936, não tinha poderes especiais, mas impunha respeito. E era, sobretudo, misterioso. Envergava uma malha justa roxa e habitava a selva de Bengala, entre os pigmeus Bandar. Na garupa do corcel branco Herói, seguido do fiel quase lobo Capeto, botava ordem nas tribos indígenas e combatia piratas, traficantes e a bandidagem de forma geral, marcando os seus queixos com o sinal da caveira. Era o Espírito-Que- Anda”, imortal, mais de 400 anos de existência, cujo rosto ninguém jamais vira, com exceção da esposa Diana Palmer, da qual fora noivo por mais de 40 anos, e dos filhos gêmeos Kit Jr. e Heloise, nascidos em 1978.

De repente, a americana Dynamite Comics resolveu ressuscitar o herói, lançando uma minissérie que está sendo editada no Brasil pela Mythos. Com o título de The Lost Phantom (O Último Fantasma), a editora faz uma releitura do personagem. E o resultado é de doer: o atual Kit Walker, a princípio, recusa-se a seguir a linhagem histórica de seus antepassados, preferindo atuar em uma sala refrigerada da Fundação Jornada, em Manhattan, Nova York. Mas o chamado à origem logo se torna irresistível. E lá vai ele de volta a Bengala, em busca de seu destino. No entanto, a narrativa que se pretende moderninha, resulta confusa e mal estruturada. Pior ainda: com uma criação gráfica (incluindo a do brasileiro Eduardo Ferigato) de fazer chorar. Salvam-se apenas as capas assinadas pelo notável Alex Ross.

Pobre Fantasma! Bem que poderiam tê-lo deixado descansar em paz na Caverna da Caveira…

Quanto a mim, continuo mergulhando, à moda do Tio Patinhas, na minha piscina de gibis que ninguém quer mais.

Célio Heitor Guimarães

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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