Outra vez o tio Tonico

Hoje, acordei sem vontade de falar de política, do celerado Bolsonaro, do viageiro Lula ou do medíocre camundongo do Iguaçu. Talvez seja efeito da morte da roqueira Rita Lee, a quem eu admirava não apenas pela atividade musical, mas por sua atuação como talentosa e corajosa rebelde, inconformada com o mundo em que vivemos.

Então, para não deixar na mão mestre Zé Beto e os oito leitores que ainda me restam, vou repetir uma história aqui já contada. Que tal a do tio Tonico? Todo mundo tem um tio Tonico na família, sua história é de utilidade pública e, embora trágica, oferece alguma graça. Foi-me mandada pelo bom amigo Renato Mazânek, desconheço o autor, mas desconfio que seja médico, por motivo óbvios.

Tio Tônico era uma pessoa bem de saúde. Não tinha dores, alimentava-se bem, dormia bem, dava as suas caminhadas; coração, pulmão, fígado, rins, estômago, intestinos e cabeça tudo nos trinques. Mas estava para fazer 70 anos. Foi quando a mulher, tia Marocas, por sugestão da filha Totinha decidiu:

– Tonico, está na hora de você fazer um check-up com o médico.

– Para quê, Marocas? Estou me sentindo bem – argumentou Tonico.

– Porque a prevenção deve ser feita agora, quando você ainda se sente jovem – insistiu a mulher.

Então tio Tonico foi ver um médico. Este, sabiamente, mandou-o fazer testes e análises de tudo o que poderia ser feito e que o plano de saúde cobrisse.

Duas semanas mais tarde, com os exames prontos, o médico disse-lhe que os resultados estavam muito bons, mas algumas coisas podiam melhorar.

Então receitou: comprimidos Atorvastatina para o colesterol, Losartan para o coração e hipertensão, Metformina para evitar diabetes, polivitaminas para defesas, Norvastatina para a pressão e Desloratadina para alergia.

Como eram muitos medicamentos, era preciso proteger o estômago. Então, indicou Omeprazol, e um diurético para prevenir os inchaços.

Tio Tonico foi à farmácia e gastou boa parte da sua aposentadoria em várias caixas requintadas de cores sortidas. Só que, a essa altura, ele não conseguia mais lembrar se os comprimidos verdes para a alergia deviam ser tomados antes ou depois das cápsulas para o estômago e se devia tomar as amarelas para o coração antes ou depois das refeições. Aí, voltou ao médico. Este deu-lhe uma caixinha com várias divisões, mas achou que titio estava tenso. Receitou-lhe, então, Alprazolam e Sucedal para dormir.

Naquela tarde, quando ele entrou na farmácia, com as receitas, o farmacêutico e seus funcionários fizeram uma fila dupla para ele passar no meio.

Só que Tonico, em vez de melhorar, foi piorando. Ele passava praticamente todo o dia em casa, controlando os horários e tomando as pílulas.

Dias depois, o laboratório fabricante de vários dos remédios que ele usava, deu-lhe um cartão de “Cliente Preferencial”, um termômetro, um frasco estéril para análise de urina e um lápis com o logotipo da indústria.

Aí, o tio deu azar e pegou um resfriado. Tia Marocas fez ele ir para a cama, mas, desta vez, além do chá com mel, chamou também o médico.

O doutor disse que não era nada, mas prescreveu Tapsin para tomar durante o dia e Sanigrip com Efedrina para tomar à noite. Como poderia ter uma pequena taquicardia, provocada pela Efedrina, receitou ainda Atenolol. Achou melhor, também, que tio Tonico tomasse um antibiótico, para evitar complicações: 1 g de Amoxicilina, a cada 12 horas, durante 10 dias.

Apareceram fungos e herpes e o médico, sempre atento, receitou Fluconazol.

Para piorar a situação, tio Tonico começou a ler as bulas dos medicamentos que tomava, e ficou sabendo das contraindicações, advertências, precauções e efeitos colaterais. Não só poderia morrer, mas ter arritmias ventriculares, sangramento anormal, náuseas, hipertensão, insuficiência renal, paralisia, cólicas abdominais, cefaleias, alergias, tosse, alterações do estado mental, inchaços e um monte de coisas terríveis.

Com medo de morrer, chamou o médico, que disse para ele não se preocupar, porque os laboratórios só colocavam aquilo tudo para se isentar de culpa.

– Calma, seu Tonico, não fique aflito – recomendou o médico, enquanto prescrevia uma nova receita com um antidepressivo Sertralina e mais Rivotril 100 mg. E como titio estava com dor nas articulações deu-lhe Diclofenaco.

Nessa altura, sempre que o tio recebia a aposentadoria, ela ia direto para a farmácia, onde ele já tinha sido eleito cliente VIP.

Chegou o momento em que o dia do pobre tio Tonico não tinha horas suficientes para tomar todas as pílulas. Assim, ele já não dormia, apesar das cápsulas para a insônia que haviam sido prescritas. Ficou tão ruim que, conforme advertido nas bulas dos remédios, penou mais de 100 dias numa dessa UTIs mercenárias e “veio a óbito”.

No funeral tinha muita gente, mas quem mais chorava era o farmacêutico.

Tia Marocas, desfrutando da viuvez radiante, afirma que felizmente mandou titio para o médico, porque, se não, com certeza, ele teria morrido antes.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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