Então, para não deixar na mão mestre Zé Beto e os oito leitores que ainda me restam, vou repetir uma história aqui já contada. Que tal a do tio Tonico? Todo mundo tem um tio Tonico na família, sua história é de utilidade pública e, embora trágica, oferece alguma graça. Foi-me mandada pelo bom amigo Renato Mazânek, desconheço o autor, mas desconfio que seja médico, por motivo óbvios.
Tio Tônico era uma pessoa bem de saúde. Não tinha dores, alimentava-se bem, dormia bem, dava as suas caminhadas; coração, pulmão, fígado, rins, estômago, intestinos e cabeça tudo nos trinques. Mas estava para fazer 70 anos. Foi quando a mulher, tia Marocas, por sugestão da filha Totinha decidiu:
– Tonico, está na hora de você fazer um check-up com o médico.
– Para quê, Marocas? Estou me sentindo bem – argumentou Tonico.
– Porque a prevenção deve ser feita agora, quando você ainda se sente jovem – insistiu a mulher.
Então tio Tonico foi ver um médico. Este, sabiamente, mandou-o fazer testes e análises de tudo o que poderia ser feito e que o plano de saúde cobrisse.
Duas semanas mais tarde, com os exames prontos, o médico disse-lhe que os resultados estavam muito bons, mas algumas coisas podiam melhorar.
Então receitou: comprimidos Atorvastatina para o colesterol, Losartan para o coração e hipertensão, Metformina para evitar diabetes, polivitaminas para defesas, Norvastatina para a pressão e Desloratadina para alergia.
Como eram muitos medicamentos, era preciso proteger o estômago. Então, indicou Omeprazol, e um diurético para prevenir os inchaços.
Tio Tonico foi à farmácia e gastou boa parte da sua aposentadoria em várias caixas requintadas de cores sortidas. Só que, a essa altura, ele não conseguia mais lembrar se os comprimidos verdes para a alergia deviam ser tomados antes ou depois das cápsulas para o estômago e se devia tomar as amarelas para o coração antes ou depois das refeições. Aí, voltou ao médico. Este deu-lhe uma caixinha com várias divisões, mas achou que titio estava tenso. Receitou-lhe, então, Alprazolam e Sucedal para dormir.
Naquela tarde, quando ele entrou na farmácia, com as receitas, o farmacêutico e seus funcionários fizeram uma fila dupla para ele passar no meio.
Só que Tonico, em vez de melhorar, foi piorando. Ele passava praticamente todo o dia em casa, controlando os horários e tomando as pílulas.
Dias depois, o laboratório fabricante de vários dos remédios que ele usava, deu-lhe um cartão de “Cliente Preferencial”, um termômetro, um frasco estéril para análise de urina e um lápis com o logotipo da indústria.
Aí, o tio deu azar e pegou um resfriado. Tia Marocas fez ele ir para a cama, mas, desta vez, além do chá com mel, chamou também o médico.
O doutor disse que não era nada, mas prescreveu Tapsin para tomar durante o dia e Sanigrip com Efedrina para tomar à noite. Como poderia ter uma pequena taquicardia, provocada pela Efedrina, receitou ainda Atenolol. Achou melhor, também, que tio Tonico tomasse um antibiótico, para evitar complicações: 1 g de Amoxicilina, a cada 12 horas, durante 10 dias.
Apareceram fungos e herpes e o médico, sempre atento, receitou Fluconazol.
Para piorar a situação, tio Tonico começou a ler as bulas dos medicamentos que tomava, e ficou sabendo das contraindicações, advertências, precauções e efeitos colaterais. Não só poderia morrer, mas ter arritmias ventriculares, sangramento anormal, náuseas, hipertensão, insuficiência renal, paralisia, cólicas abdominais, cefaleias, alergias, tosse, alterações do estado mental, inchaços e um monte de coisas terríveis.
Com medo de morrer, chamou o médico, que disse para ele não se preocupar, porque os laboratórios só colocavam aquilo tudo para se isentar de culpa.
– Calma, seu Tonico, não fique aflito – recomendou o médico, enquanto prescrevia uma nova receita com um antidepressivo Sertralina e mais Rivotril 100 mg. E como titio estava com dor nas articulações deu-lhe Diclofenaco.
Nessa altura, sempre que o tio recebia a aposentadoria, ela ia direto para a farmácia, onde ele já tinha sido eleito cliente VIP.
Chegou o momento em que o dia do pobre tio Tonico não tinha horas suficientes para tomar todas as pílulas. Assim, ele já não dormia, apesar das cápsulas para a insônia que haviam sido prescritas. Ficou tão ruim que, conforme advertido nas bulas dos remédios, penou mais de 100 dias numa dessa UTIs mercenárias e “veio a óbito”.
No funeral tinha muita gente, mas quem mais chorava era o farmacêutico.
Tia Marocas, desfrutando da viuvez radiante, afirma que felizmente mandou titio para o médico, porque, se não, com certeza, ele teria morrido antes.