VOCÊ ENVERGONHA a classe dos casados, desabafei com o amigo. Temos cinco décadas de intimidade respeitosa, não esse abuso dos jovens a quem mal se concede atenção e começam a perguntar nossa idade. O amigo rende culto e devoção à mulher, por quem faz coisas degradantes para o universo masculino. Toda manhã ela passa-lhe as tarefas, o bilhete na cabeceira – para dormir até tarde. Tarefas vis, degradantes.
AMOR NÃO ESQUEÇA a feira, Vida, pegue a bolsa no sapateiro, Paixão, me traga dinheiro do banco. Teve até o dia com o bilhete e o sutiã: Môr, costure o fecho, arrebentei sem querer. Ele ainda cozinha, lava e passa. Escolhe os sapatos dela e, tenho horror de referir, pinta-lhe as unhas, todas. Se a fulana for uma brastemp, não abri a porta para conferir gavetas e bandejas e molhar o dedo na geleia, essas intervenções no guarda-comida.
ENTENDI QUE ELA paga bem, agradece e promete nos bilhetes: Beijos mil, Uma lambida na orelha, Zilhões de chupões. Ele conta, exibido, mas não explica, a promessa da “bolina com pena de ganso”. A vida dos dois é acompanhada pela diarista, machista até a medula, que adora o patrão. Chega cedo para lhe preparar o café e espera sua chegada para entregar o robe de chambre. Não fosse ele, teria pedido a conta.
A DIARISTA ODEIA a patroa folgada e deseja o patrão desde que leu o bilhete fatal: Te pago com bilhões de boquetes. Desse dia em diante a devotada trabalhadora derrete-se para o patrão, seus olhos, parados, lânguidos, líquidos, de uma ovelha no cio.