A tentativa de censura do ministro do TSE é alerta inquietante do que vem por aí
A decisão do ministro Raul Araújo, do TSE, de impor censura em um festival de música, é um alerta inquietante do que vem por aí. Confundir atos de expressão individual de artistas com “propaganda político-eleitoral” já preocupa bastante por ignorar direito garantido pela Constituição. Mas não surpreende, considerando despacho anterior do mesmo juiz, mantendo painéis de rua com propaganda do candidato à reeleição.
Bolsonaro faz campanha todos os dias. Cada vez que abre a boca é para minar a democracia, as instituições republicanas e as eleições, atacar ministros do STF e do TSE, infringir a lei. Tudo às claras, como fez ao convocar para o “lançamento da pré-candidatura” dele. Mas o juiz apressou-se em tentar calar artistas. A percepção de que a Justiça tem lado é muito perigosa.
Tudo isso me fez lembrar a canção de Belchior, “Como Nossos Pais”, de 1976. A ditadura censurava, matava, torturava, prendia e arrebentava. “Há perigo na esquina”, diz um verso. É a mesma canção que diz: “Para abraçar seu irmão/E beijar sua menina na rua/É que se fez o seu braço/O seu lábio e a sua voz”. É aí que entra Pabllo Vittar, a cantora que desencadeou a reação dos advogados de Bolsonaro e a decisão estapafúrdia do juiz.
A voz, o lábio, o braço, o corpo inteiro da Pabllo Vittar, sua coragem, valem por mil manifestos políticos. Sua disposição para o enfrentamento da hipocrisia, da discriminação e de preconceitos têm imensa capacidade mobilizadora. Pabllo certamente sabe que se torna um alvo fácil, exposta à ira de reacionários covardes, mas não se deixa intimidar.
Pabllo é a combinação irresistível de “cabelo ao vento, gente jovem reunida”, luminosa, transgressora, transformadora. Como disse um amigo meu, precisamos “vittalizar” o Brasil. Vi e revi a imagem da Pabllo e me peguei cantando de novo Belchior: “Pois vejo vir vindo no vento/O cheiro da nova estação/Eu sei de tudo na ferida viva/Do meu coração”.
Obrigada, Pabllo Vittar!