Acirrando os ânimos

Bernardo Mello Franco – Folha de São Paulo

Há um misto de afobação e de irresponsabilidade no ar. Ninguém quer perder a chance de tirar uma casquinha do julgamento de Lula em Porto Alegre. Aliados e adversários do ex-presidente investem na retórica do confronto, acirrando os ânimos para o dia 24.

Os petistas anunciam uma “ocupação” da capital gaúcha. Já foram confirmadas mais de 200 caravanas a caminho da sede do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A ordem é pressionar os desembargadores e “demonstrar força”, nas palavras de um dirigente do partido.

O PT diz que os atos serão pacíficos, mas põe lenha na fogueira ao tratar uma eventual condenação como “fraude”. Fora dos microfones, parlamentares ameaçam “radicalizar” se o recurso de Lula for negado. O que querem dizer com isso?

O antipetismo também investe no clima de provocação. O MBL, que sumiu das ruas quando Michel Temer foi acusado de corrupção, promete ressurgir das cinzas. O grupo convida para um “CarnaLula” no dia do julgamento. O prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, foi convidado. O tucano também tentou surfar no caso ao pedir o envio de tropas federais para a cidade. Foi desautorizado pelo ministro da Defesa e pelo comandante do Exército, que chamaram a ideia de inconstitucional.

Nesta segunda, o presidente do TRF-4 fez um giro em Brasília para tratar da segurança no julgamento. Carlos Eduardo Thompson Flores esteve no Planalto, na Procuradoria-Geral da República e no Supremo. A ministra Cármen Lúcia não detectou nenhum risco alarmante, segundo quem a ouviu depois da reunião.

Na semana passada, o próprio TRF-4 contribuiu para o clima de tensão ao informar que Lula não será preso no dia 24. Ao tratar de sua eventual condenação, a corte estimula a ideia de que o julgamento será favas contadas. Algo que o próprio Thompson Flores já havia feito, ao classificar a sentença de Sergio Moro como “histórica” e “irretocável”. 

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© Andre de Dienes

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No céu, entre livros

Ruy Castro – Folha de São Paulo

Não consigo passar em frente a um sebo sem entrar. Já me vi apressado a caminho de compromissos em cidades que não a minha e, ao vislumbrar uma porta anunciando livros usados, algo me compeliu a entrar, indiferente ao fato de que chegaria atrasado. Aconteceu certa vez em Curitiba. Estava indo para uma entrevista quando vi, no outro lado da rua, o sebo Fígaro. Entrei -e me esqueci da entrevista. Depois dessa, aprendi. Sempre que vou a Curitiba, já saio do avião direto para o Fígaro.

Em São Paulo, dedico uma tarde inteira aos sebos da praça João Mendes e adjacências. Em Belo Horizonte, faço o mesmo no edifício Maleta. Conheço os sebos de Porto Alegre, Salvador, Natal. Nos do Rio, não me dou apenas com os gatos -sou íntimo até dos ácaros e, a alguns, chamo pelo nome. E não há sebo desprezível. O menor sebo que conheci era quase um buraco na parede, no Flamengo. Nas três primeiras vezes em que o visitei encontrei três preciosidades.

Há um famoso sebo em Nova York, o Strand, na esquina de Broadway e Rua 12, que se anuncia como tendo “18 milhas de livros” -28,96 km de prateleiras, do chão ao teto. Quando entrei nele pela primeira vez, em 1972, disse para mim mesmo a frase que nunca abandonei: “Quando morrer, não quero ir para o céu. Quero vir para este sebo”. Com os anos, adaptei-a a muitos outros sebos, principalmente brasileiros, até que acabei por generalizar: não quero ir para este ou aquele sebo, mas para os sebos -todos.

Fred Bass, que herdou o Strand de seu pai nos anos 1950, quando a loja era uma portinha, e a transformou no maior sebo do mundo, morreu na semana passada, aos 89 anos. Depois de uma vida inteira entre estantes, Bass acabara de se aposentar. A morte é a aposentadoria, só que mais radical.

Pelo menos, Fred Bass já passara a vida no céu.

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Mural da História

8 de abril, 2010 – O Ex-tado do Paraná

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Flagrantes da vida real

Sérgio Albach, colorido, em algum lugar do passado. © Maringas Maciel

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Querido Deus, obrigado

Gregorio Duviver – Folha de São Paulo

Querido Deus, antes de mais nada, desculpa qualquer coisa. Sei que faz tempo que eu não falo com você. A última vez foi naquele meio segundo em que um ônibus veio desgovernado na minha direção. Foi tão rápido que o senhor nem deve lembrar. Ah, o senhor lembra de tudo? Então, era eu.

Tô super em falta, eu sei. E sim, eu sei que é estranho agradecer a alguém que eu costumo achar que não existe. É que o senhor, com todo respeito, deu alguns indícios fortes de que não existia. Aquele avião da Chapecoense, o câncer de uma amiga, o Temer ter sobrevivido àquela pedra. Tudo indicava que o senhor, ou bem não existia, ou bem fazia péssimas escolhas.

(Agora me ocorreu que o Senhor pode ter feito esse agrado somente pela minha mulher que, de fato, costuma agradecer muito ao Senhor. Mas também agradece a Iemanjá, Oxóssi, Krishna, santo Expedito, a Dalai Lama, às estrelas e ao Cosmos. Nesse caso, obrigado por não ter ciúmes e aceitar esse relacionamento aberto.)

Até que minha filha nasceu. E desde que ela nasceu, linda, cabeluda, bochechuda, e risonha, e mama horas seguidas, e arrota no meu ombro um arroto com cheiro de lavanda, e baba uma baba com cheirinho de nuvem e depois suspira e dorme encostada no meu peito, e meu dedo mindinho encosta na palma da mão dela e ela segura com toda a força do mundo, e enquanto isso a palma da minha outra mão sente um pum saindo do bumbum dela, e eu olho pra minha mulher e ela tá rindo o riso mais bonito do planeta, ela tá com o cabelo desgrenhado, o olhar de quem não dorme há três dias e só um peito pra fora todoembebido de gordura de picanha que é a única coisa que faz a dor passar, e, ainda assim, ela é a mulher mais bonita que eu já vi em toda a minha vida, e a gente fica rindo e já nem lembra o porquê, mesmo sabendo que essa noite nenhum de nós três vai dormir, mas quem é que se importa em dormir, dormir é superestimado, sexo é superestimado, sair de casa é superestimado, bom mesmo é sentir o cheiro dessa cabecinha perfumada e dançar os três apertadinhos pelo apartamento, e de repente o som começa a tocar “em algum momento da minha infância ou juventude”, é a Fraulein Maria cantando pro Capitão Von Trapp, “eu devo ter feito alguma coisa certa, afinal você tá aqui, na minha frente, me amando”, e a gente se olha e começa a chorar, e eu já nem sei se é tarde demais pra dizer: Obrigado, Senhor.

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Mural da História

Charge que enviei ontem, às 20:08h, para  o site e Mariano, hoje na capa do Charge Online (15 de julho, 2007).

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3 X 0 contra Lula valem mais do que qualquer reforma

A economia depende do TRF-4. Uma fonte do governo disse para O Globo que o julgamento de Lula conta mais do que a reforma previdenciária: “É muito mais importante para as pessoas acreditarem que os ajustes necessários realmente serão feitos.”

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Um herói cínico e hipócrita

Mario Sergio Conti – Folha de São Paulo

O herói de “Pessach: A Travessia”, o romance de Carlos Heitor Cony de 1967, é um narrador astuto. Reptiliano, Paulo Simões avisa logo de cara: “Os outros têm razão: sou um hipócrita ou um cínico, talvez as duas coisas juntas”.

Na frase seguinte, porém, insinua que os outros se enganam: “Só a mim mesmo essa cara não tapeia. Também, olho-me pouco no espelho, o necessário para a barba: não gosto de estranhos”. Superior à sociedade, Simões desdenha de sua aparência cínica e hipócrita.

O próprio narrador pode estar errado, contudo: só se olha no espelho para fazer a barba, e vê um estranho. Em ordem unida, suas frases rufam como tambores de parada. O ratimbum do Ego onisciente soa unívoco e evidente, mas, visto de perto, é dúbio, furtivo, furta-cor.

“Pessach”, a Páscoa judaica, celebra a libertação do povo eleito do cativeiro e a travessia do Mar Morto. Como título, é uma metáfora forçada: Simões não é judeu e o povo inexiste. Sua travessia é pessoal. Ele supera a hipocrisia e o cinismo e se acha ao empunhar um fuzil contra a ditadura.

Foi uma travessia típica. Em 1967 saíram também “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, que termina com Paulo Martins de submetralhadora em riste, e “Quarup”, de Antonio Callado, no qual padre Fernando adere à guerrilha. O filme é genial; o romance, um cálido documento de época.

Já “Pessach” se esbalda em sensacionalismo sádico. Um guerrilheiro, cujo pênis fora carbonizado na tortura com um maçarico, açoita um subordinado negro (abrutalhado e bêbado, portanto) e faz com que estupre uma virgem. Os personagens falam mais de bidês que de luta de classes.

O romance serve de alegoria para a intelectualidade –premida que estava entre a traição do PCB, a cartada suicida da luta armada, a inócua assinatura de manifestos, o desbunde ou a melancolia estéril. Simões nem cogita em aderir à nova ordem.

“Pessach” serve, ainda, para pensar os laços entre Cony e Simões. No lançamento do livro, sua primeira frase era: “Hoje faço quarenta anos”. Não houve mudança na reedição, de 1975. Continue lendo

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Em busca de Anitta

Ruy Castro – Folha de São Paulo

Anitta, a cantora, levantou 2,4 milhões de pessoas em Copacabana no Réveillon. Dias antes, a revista americana “Billboard”, que prende e manda prender em matéria de música popular, situou-a em décimo lugar, à frente de Beyoncé, Justin Bieber e Lady Gaga, entre os 50 artistas mais influentes do mundo neste momento. E fontes confiáveis me informam que um TCC (trabalho de conclusão de curso) numa universidade carioca, tendo Anitta como tema, acaba de ganhar unânimes 10 da banca examinadora.

Tudo isso para dizer que, se o grande sucesso de Anitta, “Vai malandra”, já tinha espantosos 64 milhões de visualizações no YouTube antes do Réveillon, conquistou a sua 64.000.001ª outro dia. Foi quando criei coragem e saí em busca de Anitta na internet —para ver como era, afinal, a música que estava arrebatando o mundo e só eu nunca tinha escutado, visto ou cheirado.

Não me leve a mal, nem me ache esnobe. Hoje em dia é possível a uma pessoa passar incólume por um fenômeno musical. Pelo menos, a uma pessoa como eu —não frequento redes sociais, vejo pouca TV e só escuto rádios de notícias. Como fico longe da praia em dia de show e não há mais lojas de discos tocando os sucessos do momento, não tenho como ficar ao alcance do que acaba de sair.

No passado era pior ainda. Só fiquei sabendo da existência dos Mamonas Assassinas, por exemplo, quando houve a tragédia com o avião deles. Estava também há 20 anos sem ouvir a voz de Roberto Carlos em qualquer mídia quando esse providencial jejum foi quebrado por um comercial de bifes em que ele aparecia. E juro que, até hoje, ainda não tive a felicidade de escutar “Despacito”.

Ah, sim, Anitta. Pois, finalmente, ouvi “Vai Malandra” —e gostei. Mais dela do que da música. Espero estar mais ligado quando ela gravar seu segundo disco.

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Millôr Fernandes e Cora Rónai, em algum lugar do passado. © Myskiciewicz

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Aviso aos navegantes

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© Myskiciewicz

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Catherine Deneuve: os homens deveriam ser “livres para flertar” com as mulheres. É flertando que a gente se entende.

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Laurinda, Olivia e Adquira

Ruy Castro – Folha de São Paulo

Há tempos (“A pranteada senhora”, Painel, 4/11/2018), falei aqui de como, ao ler os anúncios funerários do “Globo”, pensei ver a comunicação do falecimento de uma senhora chamada Adquira Carneiro Perpétuo.

Não sabia quem era, mas aqueles sobrenomes me diziam alguma coisa —talvez fosse a mãe de um antigo colega de faculdade ou amigo. A curiosidade aumentou quando, pelas semanas seguintes, sucessivamente, o anúncio voltou a sair— e não eram convocações para a missa de sétimo ou 30º dia. Era como se dona Adquira morresse toda semana e cada morte justificasse um anúncio.

Na época, por falta de espaço, não pude falar sobre a curiosidade que seu nome me despertou. Adquira Carneiro Perpétuo me lembrava Laurinda Santos Lobo, protetora das artes no Rio dos anos 1910 e 1920 e por cujo “salon”, em Santa Teresa, passaram Caruso, Nijinsky, Isadora Duncan e outros grandes do canto e da dança. Lembrava-me também Olivia Guedes Penteado, sua correspondente paulista, que vivia arrastando Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral para banquetes pela Europa antes que eles aderissem à antropofagia.

Donas Laurinda e Olivia eram mulheres ricas, finas e com paixão por artistas. A cultura brasileira lhes deve muito. Eram de um tempo em que alguns membros da nossa elite reservavam parte de seus ganhos para contribuir para o aprimoramento nacional. Talvez dona Adquira estivesse nesse caso.

E só então caiu-me a miserável ficha. Não havia nenhuma dona Adquira. Alguém estava apenas oferecendo pelo jornal um carneiro perpétuo no Cemitério São João Batista. E dava até o valor: R$ 60 mil. Só sei que, desde então, o carneiro deve ter sido adquirido, porque o anúncio nunca mais saiu.

Se, sem querer, contribuí para esta venda, tudo bem. Mas eu preferia que dona Adquira tivesse existido.

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