Sylvia Colombo – Folha de São Paulo
Estreou na última semana, pela TV Pública argentina, a minissérie “Cuéntame Cómo Pasó”, versão local da novela espanhola homônima. Assim como a original, a trama também tem como centro uma família de classe média baixa que atravessa um período da história recente. Desta vez, ela se desenrola num bairro suburbano de Buenos Aires. Começa em julho de 1974, com a morte do general Juan Domingo Perón, que havia sido eleito para seu terceiro mandato apenas um ano antes, e vai até 1983, quando o país voltou a ser uma democracia. O ponto de partida é um território ainda nebuloso e pouco contado nos livros de história.
Isso porque, entre 1974 e 1976, a Argentina, apesar de viver uma democracia, atravessou um período de intensa violência. De um lado, estava a repressão do Estado, que agia por meio da cruel Triple A, um esquadrão da morte paralelo às forças de segurança institucionais. De outro, as guerrilhas urbanas Montoneros e ERP (Ejército Revolucionário del Pueblo). A morte de Perón tornou ainda mais agudo esse enfrentamento, causando mortes e um ambiente de muita insegurança nas ruas e de incerteza entre a sociedade. No lugar do general, havia assumido sua vice e viúva, Isabelita. Esta, porém, vinha sofrendo imensa influência do bruxo José Lopez Rega (1916-1989), uma figura enigmática e esotérica que havia conquistado a confiança do casal Perón quando este vivia no exílio. Morto Perón, Lopez Rega se transforma no homem mais poderoso do país. Enquanto isso, nos bastidores, os generais preparavam-se para tomar o poder à força, o que de fato aconteceria em março de 1976, quando ocorreu o golpe militar.
“Cuéntame Cómo Pasó” começa retratando esse momento anterior ao regime, mas do ponto de vista da família Martínez. Temos Antonio (Nicolás Cabré), que faz o pai e provedor do lar. Trabalha numa gráfica cujo dono é um anti-peronista que pede logo a intervenção dos generais “para organizar as coisas”. Antonio não está de acordo com ele, mas cala-se para manter o emprego enquanto tenta conter colegas que se rebelam contra o patrão e estão organizados em sindicatos _uma das principais bases de apoio de Perón.
Sua mulher, Mercedes (Malena Solda), é a dona-de-casa típica da época, empenhada em manter a família unida, ao mesmo tempo em que ajuda a completar o orçamento familiar costurando roupas para a vizinhança _estão entrando na moda as calças longas para mulheres, e ela se anima em aproveitar esse novo filão. Ao mesmo tempo, exerce profunda pressão sobre a filha Ines (Candela Vetrano), que hesita em casar-se e não se conforma de ter tido seu acesso à universidade barrado em detrimento do irmão mais velho. Trabalhando num salão de beleza, não quer seguir o compromisso com o noivo e sonha viajar e estudar. A mãe não aceita e quer ve-la logo no altar. Já o filho mais velho, o calado Toni (Franco Masini), acaba de entrar na faculdade de direito, e lá se apaixona por uma jovem ativista, Marta (Malena Sánchez). Esta começa a envolve-lo em política, primeiro levando-o a reuniões. Apaixonado, Toni vai sendo empurrado logo a coisas mais ousadas, como pintar muros e realizar ações na luta armada. A princípio, ele tem receio, dizendo que crê que é melhor que se dediquem a estudar. Ao que Marta responde: “Temos que optar, ou estudamos a história, ou fazemos a história”. Toni se resigna a acompanha-la, opção pela qual pagará um alto custo. Já o filho mais novo, o menino Carlitos (Luca Ciatti) é quem conta a história, a partir de seu olhar lúdico que mistura as histórias de kung fu, pelas quais é apaixonado, com as conversas dos adultos e o noticiário, que entende apenas parcialmente. Continue lendo →