perdeu a graça
se no vinho
morasse a verdade
quem beberia?
perdeu a graça
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morasse a verdade
quem beberia?
Chevalier|Direção de Athina Rachel Tsangari|1h44m|2015|Grécia
Na ressaca das emancipações do século transacto o cinema contemporâneo tem-se vindo a colocar uma salutar questão: como pode o discriminador retratar o discriminado? Um exemplo. Veja-se o mais recente filme La academia de las musas (A Academia de Musas, 2015) onde o “truque” de José Luis Guerín e da sua academia (naquela as mulheres teriam uma função de “musa activa” para ajudar na reactivação da poesia do mundo; seja lá o que isso seja) foi visto por alguns como “machismo” encapotado. Mas toda esta questão se expande por outras tensões ante a noção de um filme como espaço de responsabilidade: de que forma podem os brancos falar dos negros? E os ricos dos pobres? Ou os heterossexuais dos homossexuais e os colonizadores dos colonizados? Neste campo a história ameniza a preocupação que poderia ter a grega Athina Rachel Tsangari quando decidiu “explorar” a masculinidade competitiva de meia dúzia de homens de meia-idade durante uma viagem veraneante de iate.
Já que falamos de história pensemos na do cinema que nos ensinou que os homens falam dos homens (Ford, Peckinpah, tantos outros), os homens falam das mulheres (Cukor, Minnelli, Sirk) e, quando muito, as mulheres falam das mulheres (Akerman, Martel, Arzner). Agora, mulheres aventurando-se no mundo da poeira, do suor e da testosterona já não é tão comum. Bom… talvez Bigelow e Reichardt mas não muitas mais. Athina, depois da habitual história de crescimento com o seu filme anterior Attenberg (2010), resolveu satirizar alguns dos elementos que a sociedade valoriza hoje como símbolos de um homem forte e de sucesso.
Há uns tempos a cantora islandesa Björk disse que normalmente quando se viam mulheres no cinema estas pareciam estar encerradas numa jaula composta por energia masculina. Interessante que com Chevalier parece acontecer o oposto. Estes homens – cavaleiros contemporâneos no seu torneio medieval: o prémio para o vencedor é um anel, símbolo de orgulho e distinção – parecem batalhar rodeados de energia feminina. Um deles, já descontrolado acaba mesmo a perguntar por telefone à esposa se acha que ele tem as pernas gordas. Mas o olhar de Atina, feminilizando um pouco o jogo másculo das suas personagens (a atenção ao detalhe do outro como estereótipo do feminino) acaba por resistir à tentação de tornar as coisas espalhafatosas à medida que o jogo avança e a rivalidade aumenta. Aliás, é o final do filme, em tom suave (com os planos de despedida dos amigos à noite da doca, quando o barco chega ao porto e com o mero vislumbre do vencedor), o que permite ao espectador ávido de alegorias parar para pensar na condição de um país que, estando em crise, eleva os valores da rivalidade entre os seus, para perceber quem é o melhor ou o menos culpado de toda esta pseudo-ruína financeira.Nessa dita viagem de iate, para combater o tédio, seis amigos resolvem jogar a um jogo: quem será o melhor homem? As regras são flutuantes e tudo conta. Quem roe as unhas ou ressona? Quem monta mais rápido um móvel do Ikea, tem menos colesterol no sangue ou a pila maior? Nesta comédia de amizade e competição masculina, o barco devém ringue e torre de espionagem. Interessa, claro, observar a mínima falta no outro para sair vencedor.
Outra energia, mais vaga, não deixa de pairar nesta comédia com diálogos sobre responsabilidade por toques de telemóvel ridículos ou sobre a melhor forma de grelhar lulas. Formulações como: “deixa-me fazer-te uma pergunta” ao que o outro responde “com prazer”, ou interrogações como “não seria óptimo estar sempre de férias?” fazem parte de uma cadência de diálogos de revelação em caminho de uma descoberta da verdade, que a história grega sempre encenou, pelo menos a partir dos famosos diálogos socráticos. Essa cadência da argumentação, das refeições em conjunto, da filiação masculina já faziam parte de um ideal de competição e sobretudo de melhoramento do corpo e da alma do homem grego. É precisamente esta energia, se lhe quisermos chamar filosófica, que envolve Chevalier e que ajuda a transportar o filme de uma batalha de géneros (uma mulher a satirizar os homens) para um exercício de maiêutica individual e, como alguns nele viram, nacional.
Mônica Bergamo – Folha de São Paulo
Aldemir Bendine deu de cara com seu algoz, Marcelo Odebrecht, quando chegou à sede da Polícia Federal, nesta quinta (27), em Curitiba. O ex-presidente do Banco do Brasil começou a ser investigado depois que foi delatado pelo empreiteiro, que diz ter pago a ele propina de R$ 3 milhões.
Marcelo, que está preso na PF, fazia reunião com seus advogados quando Cobra, apelido de Bendine nas planilhas da Odebrecht, chegou. O ex-presidente do BB olhou duro para o empreiteiro. E passou reto.
Ruy Castro – Folha de São Paulo
RIO DE JANEIRO – Quantas vezes você não ouviu ultimamente a expressão “matar no peito”? Dezenas —e nenhuma referente ao jogador que esvazia o peito ao receber a bola, amortece o seu impacto e a deixa escorrer até o pé. No tempo de Domingos da Guia, esse lance era do outro mundo, mas ficou tão corriqueiro que os locutores há muito nem perdem tempo em descrevê-lo. “Matar no peito”, hoje, é uma arte do Congresso —de certos políticos peritos em fazer com que uma grave denúncia caia no vazio ou um escândalo desapareça do radar.
Falando em Congresso, dizia-se até há pouco que o presidente Michel Temer estava “nadando de braçada” entre seus ex-pares. Significava que, com sua habilidade para “costurar acordos”, ele chegaria ao outro lado da piscina —2018— e emergiria como um estadista. Mas, depois de desnudar-se obscenamente na fita gravada por Joesley Batista, Temer terá de aprender também a nadar costas, peito e borboleta se não quiser se afogar. Só que, pelo visto, prefere comprar votos para ficar à tona, mesmo que isto o obrigue a desmatar, saquear ou taxar o país.
E o que dizer da “zona de conforto”? Ao contrário das antigas zonas boêmia e do agrião, muito mais excitantes, significa um espaço em que uma pessoa se move sem ser ameaçada. Mas, se tal zona existe no Brasil, não há muitos políticos nas proximidades dela. Em sua maioria, eles estão em alguma lista da Lava Jato, da Procuradoria ou da Polícia Federal, o que lhes garante todos os desconfortos que merecem, mesmo que, no fim, não resulte em nada.
“Matar no peito”, “nadar de braçada” e “estar na zona de conforto” são apenas alguns dos clichês em voga no momento. No ano passado, era o “ponto fora da curva”. E, antes ainda, “apostar todas as fichas”.
Em breve, ninguém apostará uma mísera ficha em nenhum deles.
Zé Rodrix – © Myskiciewicz
No ano em que completaria 70 anos (em novembro), o cantor e compositor Zé Rodrix, autor de “Casa no Campo”, uma balada rural de brilho único, deve ganhar uma biografia escrita pelo paranaense Toninho Vaz. A obra está pronta. Aguarda apenas que as editoras contornem a crise para chegar às livrarias, por isso a ausência de uma data precisa de lançamento.
POR TRÊS ANOS
Durante os três anos em que se debruçou sobre a história do compositor, integrante do trio Sá, Rodrix e Guarabyra e, muito tempo depois, do punk paulista, Toninho Vaz recorreu a vários expedientes para conseguir material para enriquecer sua história, inclusive as redes sociais. Uma gravação rara, um vídeo, uma coluna de livros que Rodrix publicava na Folha de S. Paulo, por acaso extraviada. Ele não poupou esforços. No limite, encarou as 1.284 páginas da trilogia do “Templo”, escrita por Zé Rodrix sobre a maçonaria – ele era um fiel seguidor.
ELE ERA MAÇOM
Parte do mistério do compositor e do segredo de seus muitos talentos, aliás, está associado ao fato justamente de ter sido integrante da sociedade maçom, historicamente discreta e reservada.
SECOS E MOLHADOS
Foi Zé Rodrix quem, em 1973, produziu um dos álbuns mais cultuados da
MPB: o primeiro disco dos “Secos e Molhados”. Foi Zé Rodrix também quem surpreendeu os fãs em um festival de música popular, ao apresentar-se, em 1985, ao lado do “Joelho de Porco”, com a canção satírica “A Última Voz do Brasil”.
BIOGRAFIA DE LEMINSKI
Toninho Vaz, hoje radicado no Rio, é também o autor da biografia definitiva de Paulo Leminski (“O Bandido Que Sabia Latim”), cuja quarta edição ainda em preparação deve incluir as partes vetadas por Alice Ruiz (viúva do poeta) e pelas filhas, Áurea e Estrela. Incluindo o suicídio do irmão de Paulo Leminski, cuja vida errática influenciou o próprio destino do poeta. Nesse livro definitivo sobre Leminski, Toninho Vaz me cita em certas passagens como alguém que abriu as portas para o escritor e seu grupo.
DECISÃO DO STF
Toninho Vaz evita falar no assunto. Há um processo judicial em curso e é preciso respeitá-lo, diz. De qualquer forma, o modo como a família remou contra os fatos e tentou suavizar até as cenas trágicas envolvendo o poeta curitibano, mostra o quanto foi benéfica a decisão por 9 a 0 do STF de liberar a publicação de biografias sem prévia autorização, em 2015. Mas só faz dois anos. Há muito a contar ora em diante. Vaz sabe disso.
Aldemir Bendine – © Alan Marques
O ex-presidente do Banco do Brasil e ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine foi preso na 42ª fase da Lava Lato, batizada de Operação Cobra, nesta quinta (27).
Bendine foi detido em Sorocaba, no interior paulista. Além dele, foram alvos de mandados de prisão temporária André Gustavo Vieira da Silva e Antônio Carlos Vieira da Silva Jr., suspeitos de serem operadores do executivo.
De acordo com o Ministério Público Federal, há evidências de que Bendine solicitou R$ 17 milhões de propina na época em que comandou o Banco do Brasil (2009-2015) para viabilizar a rolagem de dívida de um financiamento da Odebrecht AgroIndustrial. Marcelo Odebrecht e Fernando Reis, executivos da empreiteira que fecharam acordo de delação premiada, afirmaram que negaram a solicitação por acharem que Bendine não tinha capacidade de influenciar no contrato.
No entanto, segundo a Procuradoria, há provas apontando que, na véspera de assumir a presidência da Petrobras, em 6 de fevereiro de 2015, Bendine e um de seus operadores financeiros solicitaram nova propina aos executivos, com a justificativa de proteger a Odebrecht em contratos, inclusive em relação às consequências da Operação Lava Jato.
Os delatores afirmaram que, com receio de a empreiteira ser prejudicada, foi feito o pagamento de R$ 3 milhões. “O valor foi repassado em três entregas em espécie, no valor de R$ 1 milhão cada, em São Paulo. Esses pagamentos foram realizados no ano de 2015, nas datas de 17 de junho, 24 de junho e 1º de julho, pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht”, afirma a Procuradoria, em nota.
Ainda segundo o Ministério Público, a colaboração premiada dos executivos da Odebrecht foi o ponto de partida das investigações, que foram corroboradas com a análise de ligações telefônicas, cartões de crédito de crédito e colheita de comunicações ocultas por aplicativos de celular que eram destruídas em tempo pré-determinado para apagar os vestígios de crimes, bem como exame de anotações que apontam para pagamentos de despesas de hospedagem em favor de familiares de Bendine.
O nome da fase é uma referência ao codinome dado ao principal investigado nas tabelas de pagamentos de propinas apreendidas no Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht.
Ao todo, segundo a Polícia Federal, foram cumpridos 11 mandados de busca e apreensão e três de prisão temporária no Distrito Federal, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
Os presos serão levados para a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.
Em nota, a força-tarefa do Ministério Público Federal destacou que esta fase da operação foi deflagrada “a pedido dos procuradores” e criticou a recente redução do efetivo da PF dedicado à Lava Jato.
No mês passado, a PF extinguiu a força-tarefa dedicada exclusivamente à operação no Paraná.
“Das últimas sete operações da Lava Jato, seis foram pedidas pelo Ministério Público”, afirmou, na nota, o procurador Deltan Dallagnol. “É preciso preservar o trabalho da Polícia Federal nas investigações. O Ministro da Justiça e o Delegado-Geral têm poder e a consequente responsabilidade sobre o tamanho do efetivo, que foi reduzido para menos da metade.” Continue lendo
O FATOR SURPRESA
O ministro Raul Jungmann, da Justiça, promete “fator surpresa” contra o crime no Rio, agora policiado pela Força Nacional. Será surpresa, pois nem os bandidos nem os cariocas têm noção do que poderá acontecer. Nós podemos especular, ainda que dizendo bobagem. Sim, porque temos a melhor justificativa: qualquer bobagem que dissermos é fichinha diante das asneiras cabeludas que saem das bocas malsãs dos políticos. Adorei esse ‘malsã’.
Daí me arrisco sobre o “fator surpresa”. Será uma bomba atômica. Absurdo, pode ser, mas apenas num ponto: o Brasil não tem bomba atômica. Não que faltem recursos ou tecnologia, porque isso se consegue, mesmo à custa da fome do povo. Afinal, quem sustenta nossa fome e nosso atraso? O apetite dos políticos. O Brasil (ainda) não tem bomba atômica porque no dia seguinte a Argentina também teria. Frente a uma Argentina bombada o Brasil não dá para o primeiro tempo.
Desvio do assunto. Por que a bomba atômica como fator surpresa no Rio? Simples, não há como acabar com o crime usando os recursos disponíveis e usuais, incluídas as Forças Armadas. Porque no Rio de Janeiro o crime é imbatível e frutifica na aliança entre criminosos, a polícia e a clientela em todos os níveis sociais. Acima dos bandidos, mais bandidos que os piores bandidos, estão os políticos do Rio. Cito os mais famosos pelas iniciais: Sérgio Cabral e Eduardo Cunha.
Encerro com a paráfrase a Fernando Pessoa, no poema ‘Liberdade’: mais do que as FA só o Espírito Santo, que pode mandar um anjo de fogo para dizimar aquela Sodoma-Gomorra. Bomba atômica e anjo de fogo dão no mesmo, a bomba a versão moderna do flagelo bíblico. Diferem apenas num ponto: a bomba não transforma a primeira dama do ex-governador Sérgio Cabral em estátua de sal nem esbugalha mais os olhos da senhora Eduardo Cunha. Amém.
Luiz Inácio Lula da Silva – © Myskiciewicz
Não sei onde foi que li. Acho que na revista Veja. Alguém afirmou que sem Lula a esquerda brasileira fica sem candidato nas próximas eleições. Duas correções são necessárias desde logo.
A primeira: não existe mais esquerda no Brasil. Nem esquerda nem direita. Apenas ardilosos malandros, mal-intencionados, de ambos os lados. Com objetivos comuns e todos reprováveis. A população tem nojo deles, quer distância deles, e faz muito bem.
A bem da verdade, não sei se já houve realmente esquerda e direita nestas terras de Santa Cruz. Isso é tema para o especialista Ivan Schmitd. Mas desconfio que aqui, no frigir dos ovos, a direita e a esquerda seguiram apenas a tradição de seu nascedouro, durante a Revolução Francesa, quando se prestavam, tão somente, para indicar o lugar onde os políticos sentavam no parlamento francês – à direita ou à esquerda da cadeira do presidente.
De esquerda-esquerda, consciente filosoficamente, autêntico e obstinado, só conheci um militante aqui em Curitiba: o saudoso Walmor Marcellino. Já a chamada elite, que dizem simbolizar a direita, sempre existiu e sempre existirá propensa ao domínio, queiramos ou não. Os opositores, ainda que alcancem algum sucesso no embate, no mais das vezes, acabam sendo cooptados e se integram a ela, como ocorreu com o mencionado Lula da Silva.
A segunda correção: Lula nunca foi da esquerda, nunca representou a esquerda, sequer sabe o que significa (ou significava) esquerda. Lula sempre foi só Lula. Durante um tempo, apresentou-se como líder sindical. Tinha (e ainda tem) bom papo, de fácil convencimento, capaz de iludir a plateia. No poder, revelou-se um oportunista, uma fraude, um deslumbrado com as benesses da Casa Grande. Instalado no trono, transformou-o em balcão de negócios. Cuidou da segurança financeira do partido, da família, da companheirada, aparelhou o Estado e petizou o Brasil. Em seguida, transmutou-se em lobista internacional de grandes empreiteiras e no palestrante mais caro do país, com custo equivalente ao do presidente Clinton, do EUA, sem precisar pronunciar uma palavra sequer. Um fenômeno, convenhamos. Agora, está condenado pelo Judiciário, só no primeiro processo que lhe move a Procuradoria Geral da Justiça, a nove anos e meio de reclusão, prestes a ser aferrolhado ou, como se diz no jargão policial, recolhido aos costumes.
Lula não sofreu com a ditadura militar por questão ideológica. Quando presidia o Sindicado dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP), foi preso por promover a baderna.
Ideologicamente, certa feita, Lula da Silva confessou-se “um liberal”. Deve ter achado bonito o termo, sem saber que, segundo o filósofo Bobbio, uma sociedade liberal é marcada pelas desigualdades sociais.
A ideologia de Lula é a ganância, o prestígio pessoal, a manutenção do poder. Apenas Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e outras figurinhas menos conceituadas da cultura brasileira acreditam que Lula é de esquerda. E, como tal, capaz de promover a luta pelos direitos dos trabalhadores e da população mais pobre, promover o bem estar coletivo e a participação popular nos movimentos sociais; ser, enfim, a favor das minorias. Pura ilusão. Ele já teve essas oportunidades e apenas fingiu exercê-las, como se sabe. Aliás, é de seu antigo companheiro de luta sindical Tito Costa, ex-prefeito de São Bernardo, a opinião de que Lula abandonou um projeto de Brasil para dedicar-se tão somente ao ambicioso e impatriótico projeto de poder.
“Lula” – pontuou Tito – “optou pela equivocada implantação de uma era de bonança artificial pela via perversa do paternalismo e do consumismo em favor das classes menos favorecidas, levando-as ao engano do qual agora se apercebem”.
Nem todos, Tito. Desgraçadamente, nem todos.
Mônica Bergamo – Folha de São Paulo
A incorporação de Lula ao diretório nacional do PT, como presidente de honra, resolveu problemas financeiros práticos envolvendo o ex-presidente. A legenda pode agora, por exemplo, pagar o aluguel de aeronaves para que ele viaje pelo país.
LIVRE PARA VOAR
Antes disso, sempre que pagava por uma viagem, o PT tinha que dar várias explicações na hora de prestar contas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), já que Lula era, juridicamente, um militante comum. O diretório recebe cerca de R$ 30 milhões por ano do fundo partidário.
Pergunta que ofende
Michel Temer autoriza a ação das Forças Armadas na eleição do Amazonas, também presentes na segurança do Rio. Do jeito que as coisas estão, logo as FA atuam na eleição de Michel Temer e na segurança do Congresso Nacional. Seria contra a Constituição. E Temer e o Congresso respeitam a Constituição?
Melhor não tê-los
Michelle Bachelet, do Chile, é, no momento, a única mulher presidente dentro do sistema presidencialista. O pai morreu de tortura na ditadura Pinochet, que prendeu a ela e à mãe. Também foi eleita duas vezes. Enfrentou corrupção de filho e nora enquanto no governo. Qual a diferença entre Michelle e Dilma? Filhos: a de Dilma não aprontou no governo da mãe.
Solucionática
O governo Temer pretende introduzir a demissão voluntária no serviço público. A folha de pagamento é pesada e o custo da aposentadoria pesadíssimo. Michel Temer, por longo tempo líder do PMDB e presidente da câmara, chegou por duas vezes a vice-presidente, atuante nos governos que expandiram exponencialmente o funcionalismo. Temer e seu partido nunca apontaram riscos, pois ganhavam com isso.
Alguém acredita que os políticos vão se conter com quadros reduzidos? Nunca, logo, ao primeiro aceno de aumento da receita voltam a nomear. Quem irá fazer lei para a demissão voluntária? O Congresso Nacional. Procure saber quantos funcionários tem cada deputado e senador. E nos tribunais, inclusive nesses que foram inventados para vigiar a aplicação do dinheiro público. Eles também reduzir seus quadros?
O número de funcionários é grande, realmente. O cargo público oferece segurança, que não encontrarão na área privada os que aceitarem a demissão. Esta terá que ser atraente. Há dinheiro para isso? Na degradação moral que o Estado atravessa, em vária intensidade nos três poderes, o que vier do Estado é suspeito. Mais ainda quanto a Michel Temer, mais ocupado em salvar a si mesmo que ao Brasil.
Em 1990 o governo federal teve programa de demissão voluntária. Reduziu quadros, inchados quando o PT assumiu o poder. A lotação, a quantidade de cargos em cada órgão público, nunca passou de ficção. Primeiro, com a pantomima das cessões funcionais, fruto da cultura do patrimonialismo do cargo público. Segundo, criam-se cargos em comissão para (1) alimentar o fisiologismo e (2) tapar os buracos das lotações.
A Lei da Responsabilidade Fiscal podia ter ajudado, mas ninguém ajudou a lei. Seus limites para gastos com o funcionalismo nunca foram respeitados: aumentos, promoções, decisões judiciais, alterações no Congresso, contornam a lei. A demissão voluntária, como qualquer medida pretensamente salvadora, é mera cortina de fumaça. Duvida? Veja como o governo Temer gasta no aliciamento de políticos.
Elio Gaspari – Folha de São Paulo
Não se diga que estão fritando Henrique Meirelles. Ele é um queridinho do mercado, entende-se bem com Michel Temer e vocaliza as ortodoxias de gênios que sabem como consertar o Brasil, mas não conseguem conviver bem com seu povo. Meirelles está sendo fervido.
A fervura de um ministro difere da fritura porque enquanto a frigideira é desconfortável desde o primeiro momento, inicialmente o panelão oferece um calorzinho agradável. Depois é que são elas.
Desde o amanhecer do governo, Michel Temer flertava com a abertura de um balcão no Planalto. O ministro da Fazenda conseguiu contê-lo, até que surgiu o grampo de Joesley Batista. Para salvar seu mandato, o presidente abriu os cofres para os piores interesses predatórios instalados no Congresso. Não se deve esquecer que Meirelles foi levado para a Fazenda numa equipe em que estavam o senador Romero Jucá e o deputado Geddel Vieira Lima.
Temer deu a Meirelles quase toda a autonomia que ele pediu, mas o ministro não entregou os empregos e a perspectiva de crescimento que prometeu. Entrou no governo oferecendo um aumento de 1,6% para este ano e elevou o balão para 2%. Tudo fantasia, hoje o FMI espera 0,3%.
Na segunda-feira, ao ser indagado sobre a possibilidade de um novo aumento de impostos, ele informou: “Tudo é possível, se necessário”. Frase típica das serpentes encantadas pelos refletores. Não quer dizer absolutamente nada. Enuncia um dilema que exige a definição de “possível” e de “necessário”. Atravessar uma rua com o sinal fechado, por exemplo, pode parecer necessário, mas deixa de ser possível se o cidadão é atropelado. O Visconde de Barbacena achava que a derrama era necessária. Descobriu que não era possível.
Todos os ministros da Fazenda desempenham o papel da animadores do auditório. Alguns fazem isso com elegância, como Pedro Malan, outros, de forma patética, como Guido Mantega. Meirelles distanciou-se de Malan e caminha para o modelo de Mantega, num governo onde estão Michel Temer e seu mundo de bichos fantásticos.
Em fevereiro Meirelles anunciou pela primeira vez: “A mensagem importante é que essa recessão já terminou”. Atrás dele veio uma charanga comemorativa. No mundo real, seu teto de gastos estourou, a reforma da Previdência será diluída e benza-se aos céus se o piso dos 65 anos for preservado. No caso da reforma trabalhista fingiu-se que acabou o imposto sindical, ao mesmo tempo em que o governo negocia uma nova tunga. Antes, os trabalhadores formais pagavam um dia de trabalho a uma máquina infiltrada pela pelegagem e trabalhadores e patrões. Pelo que se negocia, algumas categorias serão mordidas em mais que um dia.
O remédio de Meirelles foi aumentar um imposto. Faça-se justiça ao doutor registrando que ele nunca se comprometeu a não aumentá-los. O seu problema é outro, Ele lida com essas taxações como se fossem uma arma para punir uma sociedade que é obrigada a pagar porque ele e seu presidente não fazem o serviço que prometem.
Um dia Meirelles deve dar uma olhada na galeria de doutores que o antecederam. Nos últimos vinte anos foram catorze. Pelo menos sete foram fritos. Antonio Palocci está na cadeia, uns três deveriam ter ido para o hospício. Inteiros, saíram só dois, Malan e Fernando Henrique Cardoso, mas todos foram homenageados pela mesma orquestra que hoje ensaboa Meirelles.