La Rambla

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República dos Bananas

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Juiz determina que herdeira pague dívida antes de doar R$ 500 mil a Lula

Mônica Bergamo – Folha de São Paulo

Lula vai ter que esperar: a Justiça determinou que Roberta Luchsinger, herdeira de um acionista do banco Credit Suisse que pretende doar R$ 500 mil ao ex-presidente, pague antes uma dívida de R$ 62 mil cobrada dela judicialmente por uma loja de decoração.

EM PÚBLICO
Na decisão, o juiz Felipe Albertini Nani Viaro, da 26ª Vara Cível, afirmou que, “tendo em conta as declarações públicas” de Luchsinger, que disse à Folha que faria a doação ao petista, ele deferia o pedido de execução imediata da dívida. Determinou ainda que ela deve “abster-se de qualquer ato de disposição graciosa dos bens” até que salde o débito.

MOBILIÁRIO URBANO
Roberta diz que pagou por um serviço terceirizado e que está sendo cobrada novamente. “Inclusive eu movo ação contra a empresa que me processa”, afirma. O advogado dela, Paulo Guilherme de Mendonça Lopes, diz que a cliente encomendou móveis que ficaram “muito mal feitos” e ainda assim saldou parte do serviço.

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O homem que sabia tudo de gibis

Álvaro de Moya era louco por gibis e um obstinado cultor da arte quadrinizada. Oficialmente, era jornalista, professor de comunicação da USP, escritor, conferencista, diretor e produtor de televisão e cinema. Mas os quadrinhos eram o seu mundo. Foi um dos organizadores da 1ª Exposição Internacional de Quadrinhos, realizada no Brasil, em São Paulo, em 1951, e chefiou praticamente todas as delegações brasileiras nos congressos de comics na Itália, desde 1966.

Além disso, foi o pioneiro no estudo dos quadrinhos entre nós como manifestação de cultura popular, tendo coordenado a edição e escrito, juntamente com outros dez aficionados, o primeiro livro sobre o tema publicado no país: “Shazam!” (Editora Perspectiva, São Paulo, 1970).

Desde então, Álvaro de Moya manteve-se sempre ocupado com os gibis. Produziu centenas de artigos para publicações nacionais e estrangeiras, proferiu outro tanto de palestras em universidades daqui e lá de fora, foi consultor da World Encyclopedia of Comics and World Enciclopedia of Cartoons e escreveu alguns dos mais importantes livros sobre histórias em quadrinhos, referências obrigatórias para os quadrinhólogos e escolas de comunicação social: “História das Histórias em Quadrinhos” (1993), “O Mundo de Disney” (1996), “Anos 50/50 Anos” (2001), “Literatura em Quadrinhos no Brasil” (2002), “Vapt-Vupt” (2003), “A Reinvenção dos Quadrinhos” (2012). Este ano, para comemorar os 70 anos de carreira e a sua estreita amizade com o mestre Will Eisner, deveria lançar, nos próximos dias, pela Editora Criativo, “Eisner / Moya – Memórias de Dois Grandes Nomes da Arte Sequencial”.

Aliás, esta foi a grande vantagem de Moya sobre todos nós, os loucos por gibis: além de ser uma autêntica enciclopédia, ele foi amigo pessoal de Will Eisner, o grande gênio, criador de The Spirit e de um sem número de notáveis novelas gráficas. Confessaria: “Foi através dele [Eisner] que percebi o fato de que a essência das minhas histórias, minha visão sobre a condição humana, era aparentemente compreendida na íntegra e podia transcender a barreira linguística”.

Ao receber a edição de “Anos 50/50 Anos”, Will agradeceu ao autor: “Os quadrinhos, a narrativa visual, com o emprego da arte sequencial e texto, estão afinal no limiar de chegarem ao lugar merecido na cultura ocidental. Este livro de sua autoria que é um reconhecido historiador, muito fará para acelerar esse processo”.

O mundo dos quadrinhos entrou na vida de Álvaro de Moya antes mesmo que ele aprendesse a ler, conforme revelaria: “Meu irmão mais velho comprava o Suplemento Juvenil e aqueles álbuns grandes de histórias em quadrinhos. Enquanto ele ia à escola, eu entrava escondido no seu quarto e ficava só vendo aquelas histórias incríveis! Gostava principalmente do Flash Gordon de Alex Raymond. Fiquei vidrado naquilo e decidi ser desenhista. Inicialmente, eu copiava os desenhos de Raymond. Depois, fui apresentado ao João Gitahy, um cara que desenhava qualquer coisa, um monstro. Ele me ensinou a passar tinta nas artes”.

Num tempo em que pais, professores e psicólogos afirmavam que os quadrinhos eram prejudiciais à formação das crianças, de Moya foi à luta e, bravamente, mostrou que estavam todos errados. E que as combatidas revistinhas eram apenas um tipo inocente de manifestação artística, que não só divertiam a garotada como eram capazes de educá-las.

Como desenhista, Álvaro de Moya fez “Zumbi”, colaborou com a versão de “Macbeth” de Shakespeare e quadrinizou “A Marcha”, de Afonso Schimidt. Em 1952, tornou-se desenhista-fantasma de Walt Disney, na Editora Abril, produzindo, sobretudo, capas para as revistinhas disneyanas.

Como jornalista, atuou no Jornal da Tarde, em O Estado de S.Paulo e na Folha de S.Paulo. Na TV, após um estágio na americana CBS, dirigiu a TV Excelsior e inaugurou a TV Bandeirantes, também como diretor.

Foi esse extraordinário difusor da arte quadrinizada, à qual se dedicou, com garra, amor e carinho, por mais de 50 anos, que o Brasil perdeu na última segunda-feira. De Moya faleceu aos 87 anos de idade, na capital paulista, onde nasceu em 1930, vítima de um AVC. Em 2013, perdera a mulher, a roteirista Cláudia Lévay, com quem foi casado por trinta anos. Deixou dois filhos, Sérgio e Silvia.

P.S. – Álvaro de Moya é um dos personagens do livro que comecei a escrever, diagramar e montar em 2003 – HQ, A Arte que está nos Gibis – e que certamente jamais será publicado.

Célio Heitor Guimarães

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“NÃO HÁ FÚRIA no inferno que se compare à de uma mulher desprezada”. A frase de William Cosgrove volta e meia aparece nas separações em que a mulher solta os cachorros no parceiro. Ontem vivi situação quase igual. Seria assim: não há fúria no inferno pior que a da nutricionista desprezada.

Não desprezei a nutricionista, apenas descumpri a dieta que ela prescrevera, excelente, com mais quantidade e apreciável racionalidade na alimentação. Consegui perder peso e reduzir a cintura. Como o aluno CDF, ganhei a admiração da doutora. Acontece que tirei férias, e durante as férias tem aquilo de cair com os pés e a boca na jaca.

A doutora nutricionista é loira, alta e forte, tipo alemã de filme nazista. Não é nazista, coisa que hoje só tem nos EUA. Tampouco é alemã, mas tem pais austríacos e viaja com passaporte da Áustria. Lembro que o austríaco mais famoso depois de Freud foi Hitler, que dominou a Alemanha. Meus deslizes não me pareciam graves: aumento de quatro quilos no peso e na cintura e a gordura visceral.

Levei esculacho da doutora por conta da tal gordura visceral. Na minha leda e gulosa ignorância, nunca vira problema na gordura visceral, que pelo Google é aquela abaixo da linha da cintura. Afinal, Dilma não disse que o falecido ex-marido “viveu visceralmente”? Ora, se o ex de Dilma chegou aos 79, a doutora nutricionista que me desculpe: também vou viver visceralmente.

Rogério Distéfano

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“TÔ NEM AÍ”, disse o magistrado de Mato Grosso sobre os R$ 500 mil que recebeu no mês de julho. Estava em paz, pois o Conselho Nacional da Magistratura havia aprovado os benefícios que levaram ao pagamento – a ele e a outros magistrados do Estado. O magistrado fez o que podia fazer, dentro da lei, como ela é concebida pelos magistrados, em alguns casos até criada pelos magistrados.

O problema com o juiz não é o ganho que escarnece das desgraças do povo brasileiro. Porque não é só o magistrado que tem ganhos ofensivos às desgraças do povo. Como ele estão vereadores, deputados e senadores, funcionários do poder legislativo e dos tribunais de contas. Ofensa ao povo como a corporações como as polícias e os militares, que vivem à míngua, embora cumpram funções tão importantes quanto a magistratura.

O problema do juiz está no cinismo do “tô nem aí”, palavras que nos fazem avançar sobre o ethos, dele e tendencialmente da classe. O juiz está na melhor companhia, de seus colegas, e sob a proteção corporativa do judiciário. Nosso juiz foi formado e forjado sob a condição favorecida de magistrado, a salarial em especial. Choca o que está por trás do “nem aí”. Se o juiz de Mato Grosso assim julga a si mesmo, o “nem aí” diz muito sobre como julga as causas sob sua jurisdição. Rogério Distéfano

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Digo, Lula

Ruy Castro – Folha de São Paulo

Morreu na semana passada, aos 88 anos, Haruo Nakajima, o ator japonês que interpretou o monstro Godzilla em 12 filmes, desde o primeiro, “Godzilla”, de 1954, até “Godzilla contra Megalon”, em 1973. Godzilla, claro, é o lagarto gigante despertado por uma explosão nuclear no Japão. Na prática, era uma roupa de borracha pesando 100 quilos e medindo 2,5 m, do coco à ponta do rabo, que Nakajima, 65 quilos e 1,68 m, usava durante a filmagem.

Sob o calor dos refletores do estúdio, a temperatura dentro da fantasia ia a 50 graus e fazia Nakajima despejar meio balde de suor por dia —tinha de ser reidratado a todo instante, por um canudinho introduzido num buraco da roupa. Só o esforço para rebocar o rabo do monstro era suficiente para deixá-lo moído ao fim de cada take.

Nos filmes, Godzilla pisava e arrasava maquetes de Tóquio, derrubava miniaturas de torres de eletricidade, levando os choques correspondentes, e enfrentava outros monstros do seu calibre, um deles, King Kong. Por causa disso, Nakajima sofreu queimaduras, quebrou costelas e destroncou braços. O que encerrou sua carreira, no entanto, foi a tecnologia. Com os novos recursos eletrônicos, já não era preciso fantasiar ninguém de Godzilla.

Mas Nakajima nunca abandonou o monstro. Levou o resto da vida fantasiado, fazendo aparições especiais em feiras, quermesses e, já que Godzilla não assustava mais ninguém, até em aniversários infantis.

Isto não lhe lembra alguém? Lula. Está em caravana pelo país, arrastando sua fantasia de Godzilla, digo, Lula, por comícios para plateias de militantes profissionais. Joga para a galera, finge soltar fogo e enxofre pelas ventas e cospe marimbondos contra os que o processam. Como Godzilla, julga-se acima da lei. Mas, até para Lula, sua fantasia está cada vez mais difícil de carregar.

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Mural da História

30 de setembro de 2010

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Todo dia é dia

Amy Winehouse, Adegão. © GrosbyGroup

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Desgoverno

República dos Bananas

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Nêgo Pessoa

© Kraw Penas

Há dias carrego, em silêncio, minha apreensão e minha tristeza. A primeira notícia foi de um quadro clínico delicado, uma grande dificuldade para respirar e uma dor de dente. Ao telefone, reclamava mais da dor do que da falta de ar. Providências. Tina Camargo o levou ao médico e ao dentista. A dor passou, a dificuldade para respirar aumentou e o médico diagnosticou uma pneumonia. Novo médico, tomografia, exames acurados e veio o primeiro sinal do pior. Um pulmão não funcionava, o outro só a metade. Internamento. Da pneumonia passou-se à pesquisa. Novas tomografias, internamento para uma cirurgia. Tirar água do pulmão, disse o médico. Retiraram a água e tecido para biópsia. Então, se deu o que passáramos a temer. A neoplasia tomara conta do pulmão e avançava. Internamento imediato na UTI. Durante dias a luta para restabelecer equilíbrio mínimo do organismo. Sedado. Coma induzido.

Lembrei do Jamil. O mesmo hospital, a mesma UTI, o mesmo bicho no mesmo lugar. Veio-me o mau pressentimento. Tudo que ouvi sobre a dificuldade que é combater a doença no pulmão. Mas o Turco teve um tempo de lucidez para lutar. Quimioterapia, radioterapia, o esforço diário para destruir o bicho. Quero apenas cinco anos, dizia, só cinco anos para terminar o romance. Tenho alguns contos na cabeça. Se tiver cinco anos com um mínimo de saúde eu termino, acreditava. Não teve cinco anos, apenas alguns meses em que reeditou O Jardim, a Tempestade. Deu uma longa entrevista confessional para a revista ETC e escreveu um conto antológico Minha mãe se veste para morrer. Só. O romance da vida de Antonio Vieira dos Santos ficou e seus originais se perderam em mãos inúteis. Foi-se o Turco.

Que esperança eu poderia ter agora, com o Nêgo Pessôa levado direto à UTI, sem tempo para nada, sem poder dizer nada. Entubado. Sem reações. Uma traqueostomia para ajudar a ventilar o pouco que lhe restara dos pulmões. A cada notícia, a esperança menor. Quanto tempo? Ele também tinha um livro rascunhado em algumas páginas de suas cadernetas e em cinco livros escritos em sua cabeça. As lembranças narradas na ordem dos afetos. Dos amores. No fio da navalha dos vícios e dos prazeres. Mas principalmente a memória dos livros. Das leituras. Uma biblioteca de milhares de volumes na cabeça. Uma população de personagens da grande literatura. Ele mesmo, personagem de Dalton Trevisan, Pássaro de Cinco Asas. A vida a escorrer da experiência que se confundia nas páginas e nos sentimentos. Nêgo Pessôa, no centro de todas as teorias, de todos os livros, pronto para todas as mulheres do mundo.

Lembrei de suas divagações sobre Garcia Marques e o barroco latino-americano em tertúlia literária com o então presidente José Sarney, enquanto o país afundava em crise de inflação estratosférica, o ministério inteiro na porta da biblioteca do Palácio Alvorada, aflito, a esperar que terminasse a conversa para tratar de um novo plano para salvar a economia do país. Nossa temporada no Paraguai, meses de campanha para eleger presidentes, madrugadas intermináveis no bar do Hotel Guarany ou nas boates pobres de cantoras gordas, suadas, a entoar dramáticos boleros. Muito uísque falsificado, uma discussão com uma prostituta argentina sobre a aversão de Borges pelo tango, e pó, muito pó, digressões sobre o fumo paraguaio, a visita de amigos, Coski, Tataio, Sabino, porres e a ressaca em reuniões com o futuro presidente e seu estafe, todos circunspectos, a aguardar uma formulação que fingíamos ter e não tínhamos, criávamos na hora.

Incrível é que entre uma noitada e outra, naquele calor insuportável, ele tivesse disposição para ler Proust. Não lembro de uma única vez que o tivesse encontrado sem um livro, ou a falar sobre o livro que estava a ler. A quem ele poderia dizer sobre suas leituras e mais sobre o cinema, outra paixão, considerada vocação nos primeiros anos. Restou um documentário perdido sobre a cidade, Curitiba Hoje, pensado e filmado cheio de referências e citações dos mestres. Um fotógrafo italiano que se dizia assistente de direção de Rossellini. E não era Rossellini seu maior gosto, era Fellini, foi Bergman, foi John Ford, foi Glauber, foi Godard e foi Visconti e Kurosawa e todos os que vimos dezenas de vezes. Foi quando o conheci, início dos anos 60, no Centro Experimental de Cinema, quando ainda acreditávamos que a arte mudaria o mundo, traria a liberdade e nos daria a contemporaneidade do mundo.

O cinema ficou no passado. Nem a arte, nem a política, todas as tentativas foram fracassadas. Eu mudei-me para o interior na barra pesada dos desesperados que já não acreditavam em luta pacífica. Só nos vimos quando voltei da prisão. Nessa época ele estava a escrever em jornais sobre outro assunto, tão díspar, que dominava sua inteligência: o futebol. Mais que o futebol, o Fluminense, a paixão mais duradoura, que sobreviveu a tudo. Seu texto era invejável e acredito que é o melhor que tivemos em nossa aldeia. O futebol era o tema que o ligava ao cotidiano real de uma gente que não estava interessada em Jean Paul Sartre, Freud, ou às variáveis dos marxismos que discutíamos nos círculos ínfimos de interessados.

Escreveu muito sobre o jogo e acho que foi um desperdício para tanto conhecimento, tanta literatura, tanta arte, tanta filosofia. Tanto ele tinha a dizer, dono de uma linguagem rica, em texto enxuto, nenhuma palavra a mais, para descrever jogadas, táticas e estratégias para a Seleção que não cumpriu os vaticínios e sempre o contrariou. Venceu quando ele apostava na derrota, em 1970; perdeu quando considerava a vitória certa, em 1982. Mas vaticínios e análises eram o que menos interessava no texto do Nêgo Pessôa. O bom mesmo era ler o texto, fruir as suas frases, as suas palavras. E o seu raciocínio inteligente, mesmo quando usado para as batalhas mais extravagantes, como a defesa da tese de que o técnico de futebol além de desnecessário, atrapalha. Nêgo Pessôa discutia sobre tudo, das teorias do Círculo de Viena às técnicas do amor tântrico e outras de sua própria invenção, como a técnica dos quadris que ele descreveu em um de seus textos.

Foi um amigo de casa, que passava o natal e o ano-novo com minha família e nossos amigos mais chegados. Denise e meus filhos, Izabel e Rubens, herdaram sua amizade. Em casa convivemos com pessoas únicas, em noitadas alegres com Dico Kremer, Carmen Lúcia, Osvaldo Loureiro, Plinio Marcos, Fernando Sabino, Elizabeth, Jamil Snege, Newton Rodrigues, Wilson Bueno, Aroldo Murá, Iara e Luís Roberto Soares e toda a raça pensante de nossa geração que aqui viveu ou por aqui passou. Pessôa foi mais que um conviva, foi dos poucos confidentes em minhas noites escuras da alma. Tínhamos, cada qual, seu próprio universo, e nem sempre a conjunção dos astros. Acordo tácito, não falávamos sobre amigos do outro que não gostássemos.

Divergíamos. Muito e sobre todas as coisas. Principalmente sobre a vida e as pessoas que nos cercavam. Sobre ideias e sentimentos. Sobre paixões conflitantes. A idade e as abstinências o tornaram irritadiço, com pouca paciência para aceitar os fatos, mazelas que também me alcançaram. E havia o hábito da provocação. Pessôa se esmerava ao dizer o que sabia que levaria o interlocutor à exasperação. Defendia com ardor teses que conflitavam com suas convicções para desafiar o próximo. Liberal, libertário, era capaz de fazer longas perorações em defesa dos governos militares para provocar a ira de desafetos de ocasião. Convergíamos. Muito e sobre muitas coisas. Aliás, sobre quase tudo, especialmente quando estávamos em batalha comum contra apedeutas nativos, o que foi uma constância em nossas vidas.

Precisávamos do embate. Nêgo Pessôa era um polemista que adorava paradoxos. Insultava com charme e precisão. É verdade que às vezes descia ao chulo, ao argumento bruto. E se não contido seria capaz de ir ao desforço físico para defender uma ideia, um autor, uma princesa. Não escondia suas idiossincrasias. Gostava muito do Paulo Leminski, mas detestava a sua poesia. Não escondia isso de ninguém, nem do Leminski, o que provocava maus bofes na província orgulhosa de seu vate modernista. Não gostava da província, do espírito provinciano, principalmente depois que ocupada pela geração do politicamente correto e suas sandices. Mas jamais conseguiu se desligar da cidade que adotou quando veio de Irati para estudar o colegial. Nem quando foi levado ao Rio para compor a equipe do Armando Nogueira no início do Jornal nacional. Tomou um ônibus, fugiu do compromisso e voltou à Curitiba. Para continuar a discutir na Boca Maldita e publicar aqui os seus livros: “Modos e Modas”, “De Letra”, “O Sábio de Chuteiras”, “O Velho e Rude Esporte Bretão”, “O Livro Vermelho do Nêgo Pessôa” e outros.

Sem contar as promessas que talvez ainda se cumpram, se em estado de obra adormecida em uma de suas gavetas. Espero que sim e que não se repita o que aconteceu com o Turco. Será uma forma de continuar a convivência nem sempre amena que tive com ele, mas intensamente rica e gratificante. Com certeza, o mais longo relacionamento de amizade que tivemos em nossas vidas. Com ele se descola muito de minha existência, eu que começo a sentir a falta dos contemporâneos perco a última pessoa com quem poderia falar sobre temas que só os que conviveram podem entender. Com o entendimento e a cumplicidade impossível com gente de outro tempo, especialmente deste em que a espécie parece recuar sobre seus próprios passos para o fundo das cavernas.

Fábio Campana

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Nego Pessoa, adeus

Carlos Alberto Pessoa, o Nego Pessoa, não morreu, como avisaram por aí. Ele resolveu entrar num beco, numa travessa dessas de Curitiba que ele conhecia e transformou em livro, mesmo porque andava a cidade (andar não significa amar), e fez o corpo sumir para sempre. Trombamos por aí algumas vezes. Ele vivia da invenção própria. Torrou uma fortuna porque fortunas herdadas são feitas para isso. Sobrevivente, um dia o flagrei na frente de uma geladeira cheia de garrafas e latas de cerveja.

Gritei, de longe: “Te peguei”. Ele se virou lentamente e, na mão, tinha uma latinha de Fanta. Pensei e disse a ele que aquilo só podia ser coisa de maluco. Entrevistei-o no programa “Musga na Cachola”, na rádio do padre Manzotti. Não lembro mais a conversa, mas sim que ele levou música clássica para tocar. Gostava muito do esporte bretão, como ele ajudou deixar na memória. Era Coxa Branca e trabalhou para o Atlético Paranaense. Isso é sonho de qualquer profissional que se preza.

Escreveu livros. Viveu a vida retumbante. Aí, sem avisar, foi, mas vai ficar nesta terra onde não parava muito tempo nos locais onde se metia a trabalhar, porque essas coisas não combinavam com ele. Agora lembro que depois da gravação do programa ele me levou a uma padaria perto do estádio Joaquim Américo. Encheu a bola dos pães de lá. Pegou alguns e eu paguei. Isso porque ele não veio ao mundo para pagar, mas para cobrar – e ai de quem reclamasse. Amém. Zé Beto

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Morre o jornalista paranaense Nego Pessoa

© Maringas Maciel

Morreu na manhã desta segunda-feira (14) em Curitiba o jornalista Carlos Alberto Pessoa, conhecido como Nego Pessoa. Será velado a partir das 13 horas em uma das capelas do Cemitério Municipal de Curitiba.

O jornalista trabalhou na Gazeta do Povo, Diário da Tarde, Jornal do Estado, além de diversas emissoras de rádio e televisão. O jornalista também lançou vários livros. O último, o Livro Vermelho, foi lançado em novembro de 2015.

Filho de Matilde Anciutti e João de Mattos Pessôa, o jornalista Carlos Alberto Pessôa nasceu na cidade de Irati, mas foi na capital paranaense que construiu sua história. Mudou-se para Curitiba em 1959 para cursar o científico no Colégio Estadual do Paraná, celeiro de grandes talentos.

Começou a escrever para imprensa em 1966, a pedido de Cícero do Amaral Cattani, para a revista Panorama. O resultado foi uma história sobre o futebol e suas raízes, com um texto rico e surpreendente, que marcou de forma decisiva o seu ingresso na crônica esportiva paranaense, com um perfil que comporta muita leitura e reflexão.

Nego Pessôa, como tornou-se conhecido, trabalhou nos principais veículos de comunicação da cidade. Escritor de temas futebolísticos, crítico social, homem culto, excêntrico, bem humorado e espirituoso, tem a habilidade de brincar com as palavras e já foi apontado como um dos melhores textos da imprensa paranaense. Trabalhou nos jornais Gazeta do Povo, O Estado do Paraná e Tribuna do Paraná. Outras empresas de comunicação que contaram com o jornalista foram a RIC TV, além das rádios Lumen e Clube Paranaense. Hoje, mantém o blog “Na contra mão” e escreve para a revista Idéias.

É autor dos livros “A Copa e a Crise do Futebol Brasileiro”, lançado em 1970 em parceria com Walmor Marcelino; “De Letra”, reunião de crônicas escritas na Gazeta do Povo e publicado em 1994, e “O Sábio de Chuteiras”, em 2006, sobre seu ídolo maior, Adolfo (Russo) Milmann, craque do Fluminense de 1934 a 1944. BemParaná

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Hoje!

© Gustavo Rayel Jr.

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Aposta nos ares

A meta fiscal, como sabemos, voltará a ser a velha meta. A equipe econômica de Michel Temer bate cabeça e diz não saber de onde tirar mais dinheiro.

Para tentar fechar as contas do ano que vem, Henrique Meirelles e sua trupe apostam muitas fichas na ampliação do pacote de concessões. Estão sendo contabilizados 20 bilhões de reais decorrentes da privatização de aeroportos e da venda da fatia da Infraero em terminais já concedidos.

O Globo detalha que essa conta envolve a concessão de, no mínimo, 19 terminais, incluindo o de Congonhas, além da licitação de três blocos de aeroportos encabeçados por Santos Dumont, Cuiabá e Recife. Também está no cálculo a relicitação de Viracopos, depois que o consórcio que administrava o terminal devolveu a administração dele ao governo. 

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