Olhos de hoje e de ontem

Ruy Castro – Folha de São Paulo

RIO DE JANEIRO – Há cem anos, em 1917, os homens usavam calças muito justas e altas, acima do umbigo, e sapatos de bico fino, apontado para cima. Contrastava com as sobrecasacas largas e folgadas, recheadas pelos coletes, o que dava àqueles homens um perfil de inseto. Nos anos 1920, a situação se inverteu, com a instituição dos ternos americanos, mais leves e estreitos, e as calças de pernas e bocas largas. A moda foi e voltou várias vezes e, hoje, voltamos a ver homens de calças justas e usando sapatos de Aladim, como em 1917.

Também há cem anos, as feministas brasileiras lutavam pelo direito ao voto e ao trabalho, mas eram contra o divórcio. Achavam que, com o divórcio, os homens iriam abandonar os lares em massa e se juntar às suas sirigaitas. O fato é que, em 1932, elas tiveram o direito ao voto e ao trabalho, mas o divórcio, que também viria beneficiá-las, só chegou ao Brasil em 1977. Na França, foi o contrário. Intelectuais, como a romancista Colette, eram a favor do divórcio e do direito ao trabalho, mas contra o voto feminino –achavam que as mulheres atrasadas das províncias iriam votar em quem o padre mandasse. Com isso, as francesas só puderam votar em 1945.

Há 50 anos, as mulheres brasileiras lutavam pelo direito ao próprio corpo, e sair nuas em revistas era um ato libertário. Estrelas como Leila Diniz, Ítala Nandi e Betty Faria foram pioneiras e pagaram caro por isso –a sociedade lhes apontava o dedo acusatório. Hoje, a sociedade está pouco ligando se uma mulher fica pelada ou não, mas, para as próprias mulheres, sair nua em revistas é compactuar com uma cultura machista.

O que era tabu deixou de ser e vice-versa, e isso é normal. O problema é julgar o passado com os olhos de hoje, como se faz muito.

Tão sem sentido quanto julgar o presente com os olhos de ontem.

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Duke

O Tempo (MG)

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Dor na consciência

NÃO SEI SE ERA JOVEM ou senhora de idade. Mulher, sim, o MS na língua de aeroporto esclarecia.  Não vi a pessoa, só a nacionalidade, vietnamita. E do antigo Vietnã do Norte, que captou o imaginário de minha juventude quando na guerra com os EUA o general Giap mostrou-se estrategista do nível de Alexandre e de Bonaparte. Mas afirmo que gostaria de ter conhecido a vietnamita, por mera questão de solidariedade.

Aconteceu nos dois aeroportos, no de partida e nos de chegada, o da vietnamita em questão e o meu. Ambos partíamos do mesmo aeroporto, viajaríamos pela mesma companhia, despachamos a bagagem ou no mesmo guichê ou em guichês vizinhos. Devemos ter cruzado casual e acidentalmente, ou estivemos no mesmo lugar com segundos de diferença. Uma de tantas brincadeiras do destino

Não sei como a vietnamita viajava, se, como eu, que servia de laranja para quem vinha com bagagem excessiva, e daí o atrapalho com os recibos de bagagem, seis na mão. Naquele estresse de aeroporto vi um recibo no chão. Como quase perdera meu bilhete de passagem, achei que o recibo era dos meus, tanto na função mim como na de laranja de bagagem. Juntei aos outros, enfiei no bolso e embarquei.

No desembarque recolhi as malas, nem olhei os recibos, no Brasil ninguém confere. Em casa notei um a mais, da passageira que viajou para Hanói, capital do antigo Vietnã do Norte, hoje unificado no pós-comunismo. No desembarque, um resquício de rigor estalinista terá retido a bagagem de Huang Loan Tran por falta do recibo? Ainda encontro Huang pela internet. Descargo de consciência.

Rogério Distéfano

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O Millôr sempre foi muitos

Rio de janeiro, 1999. Os escritores Mario Prata e Millôr Fernandes na Bienal do Rio. Acervo pessoal

A foto é de 1999, na Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Me lembro bem porque foi a última vez que fui, pois eles não pagavam cachê para escritores. Nem avião. Acho que não pagam até hoje. A Bienal de Brasília, que começa daqui a uns dias, está pagando. E um dinheirinho bem honesto. Mas não era nada disso que eu queria falar. Quis recordar a data e lembrei disso.

O que interessa é o seguinte. Naquele tempo, eu estava na editora Objetiva, dos meus queridos Bob e Isa, e recebi dias antes o crachá com o meu nome. Por um mal-entendido qualquer, quando cheguei ao hotel tinha outro crachá, também com o meu nome, mandado pelos organizadores da Bienal. Mas não era nada disso que eu queria falar. O que interessa é o seguinte: eu fui com os dois crachás, idênticos. Tinha lá um lugar reservado aos escritores, para onde fui levado assim que cheguei. O uísque era de graça. Naquele momento, o outro único palestrante presente era o Carlos Alberto Parreira (aquele mesmo, capitão do Exército e técnico de seleção), que também iria palestrar sobre não sei bem o quê.

Aí apareceu a minha parceira de mesa, a Cora Rónai, procurando alguém da organização porque o Millôr estava lá fora, sem crachá e, sem crachá numa bienal, por mais millôres que você seja, tem uns lugares aos quais você não tem acesso. Por exemplo, o bar onde estávamos eu, o Parreira e a Cora. Dei um dos meus crachás, ela desceu e logo sobe o Millôr com o meu nome no peito.

“Eu fico incomodado”

Talvez tenha sido um dos momentos de emoção mais forte da minha vida. Uma emoção profissional, meu! O cara era o pai para a minha geração! O mestre! O Millôr era quase 30 anos mais velho do que eu. Cresci lendo o “Pif-Paf”, no Cruzeiro. (Só um parêntese: o meu filho Antonio disse que a morte do Millor – tem gente por aí acreditando que ele morreu – pra ele era como perder um avô. Sim, eu era filho do Millôr, portanto.)

Quando começou O Pasquim, ele tinha 40 e cacetada, e eu, 23. Ousei mandar um texto para ele. E ele decidiu publicar. E dizia isso por aí, como se falasse de um filho dele. Por coincidência, enquanto falávamos mal de alguém, toca o telefone e era o “neto” dele, Antonio, igualmente escritor. Sem falar nada para o Antonio, coloquei o Millôr na orelha dele. Falaram uns quinze minutos. Nunca se encontraram: só de orelhas. Mas foi uma bênção. E o cara ali, ao meu lado, com um crachá escrito Mario Prata.

Mas não era bem isso que eu queria falar. Quando foi montada a mesa para a palestra, éramos eu, a Cora e o Dapieve. E o Millôr sentou na primeira fila, exatamente na minha frente, na minha cara. E eu comecei a gaguejar com o cara ali esperando minhas “inteligências”. E eu disse para o público. É o seguinte, tem um cara aqui na primeira fila me olhando e eu estou ficando incomodado. Ou ele vem aqui pra mesa, ou eu saio correndo. Felizmente, ele foi para a mesa. Mais felizmente ainda, sentou-se e falou por duas horas. Acho que foi por isso que não pagaram a gente, penso agora, 13 anos depois.

“Eu te falei, não te falei?”

Mas não era essa história que eu queria contar.

Foi assim, a verdadeira história: depois da “palestra do Millôr”, fomos cada um para um lado e marcamos de nos encontrarmos às 11h na Nova Fronteira, que tinha um uísque honesto, segundo o Millôr. Nos encontramos e o Millôr me contou que estava caminhando pela feira quando duas velhinhas olharam para a cara dele, reconheceram (segundo relato dele), depois olharam o crachá com o meu nome e foram em frente. “Mas eu senti que elas estavam me seguindo. Até que a mais jovem me cutucou: desculpa, mas o senhor não é o Mario Prata, né?” “Não, não sou, minha senhora. É que…”

Foi cortado pela mais velhinha, que categorizou:

“Eu te falei, não te falei? É o Verissimo!”

Mario Prata|Reproduzido do suplemento “Ilustríssima”
da Folha de S.Paulo, 8/4/2012

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Cabeça desocupada, oficina do Demônio

A Vereadora Professora Josete (PT), compósito excepcional das companheiras Dilma, Ideli Salvatti e Gleisi Hoffmann, superou as três. Estas, trituradas e misturadas no liquidificador, não cogitariam o que Josete concebeu em projeto de lei.

E olhe que aquelas cabecinhas, em trio ou solo, descobriram a pedra filosofal petista: transformar a massa cinzenta em massa marrom. Com a lei genérica do gênero, nossa mulher sapiens da câmara superou as três companheiras em gênero, número e grau.

Um dia Josete acordou com tensão de gênero e encrencou com os nomes de rua. Tinha que ser meio-a-meio, uma, nome de homem, outra, nome de mulher. A vereadora não cogitou que no atual estado das coisas e das cotas faltaria mulher para tanta rua.

Numa dessas teria que dar às ruas nomes de mulheres de rua. Concordo em gênero e número. Perto da câmara, rua Visconde de Guarapuava, há operosas merecedoras da homenagem.  Desocupada, a cabeça de Josete, virou oficina do demônio.

No afã angustiante de emparelhar o gênero com o número, a professora seria capaz de propor que a rua André de Barros mudasse para Andréia de Barros. Essa rua, por sinal, é o puctum dolens da vereadora, que a tomou como paradigma de sua lei.

Melhor seria fazer com que André de Barros terminasse na João Negrão e dali em diante, até a Nilo Cairo, recebesse o nome de Professora Josete. Isso de gênero enche o saco, gera desarmonia entre homens e mulheres que se apreciam uns aos outros.

Foram-se Dilma e o inútil ‘presidenta’ e vêm suas filhotas iletradas com a pentelhação de masculino e feminino. Por que não a lei chamando ‘marida’ à parceira gay e ‘mulhero’ ao parceiro gay? Não é o substantivo do gênero que diminui a mulher. É o adjetivo da vida.

Josete fez como o colega vereador que nos impôs envoltórios para os talheres de bares, inutilidade para os consumidores e utilidade para os fornecedores. Andei no primeiro mundo por estes dias. Por lá não se usa camisinha em garfo, nem jontex na colher.

Como só pensa em femês, Josete queria que os papéis oficiais fossem obrigatoriamente redigidos nos dois gêneros, o do fato e o da fata. Como se lixa para o que nos custa sua inutilidade, queria nos impor mais a despesa do papel, da tinta e da impressora.

Não fosse o vereador homo sapiens que mandou o projeto para aquele arquivo redondo, nossa vereadora mulher sapiens ainda nos atocharia o registro LGBTTS – oito idiomas de gênero. Sorte termos o prefeito Greca, que vetaria tamanho delírio.

Rogério Distéfano

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Nicolielo

Jornal de Bauru (SP)

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Recurso de Lula será julgado “de forma isenta e desapaixonada”

Luiz Inácio Lula da Silva – © Myskiciewicz

O presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, disse ontem em Porto Alegre que “a 8ª Turma vai julgar de forma isenta, imparcial e desapaixonada, como o Poder Judiciário deve ser” o recurso de Lula no caso da condenação pelo triplex.

Ele acrescentou que, ao elogiar a sentença de Moro no Estadão, ele o fez quanto aos aspectos formais. Forma é tudo.

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Mia Couto, com muito prazer

Mia Couto – © Myskiciewicz 

Acabo de conhecer Mia Couto e me apresso em apresentá-lo ao Grupo dos 13 – universo de leitores destas linhas. Mia, que se chama, no registro de nascimento, António Emílio, é um poeta, escritor e biólogo moçambicano, nascido na Beira, que já escreveu mais de trinta livros, entre prosa e verso. Por isso, já recebeu uma série de prêmios literários, entre os quais o Camões, em 2013, tido como o mais prestigioso da língua portuguesa.

Mia Couto me foi apresentado pelo velho camarada e amigo de fé Edson Dallagassa, através de “Terra Sonâmbula”, edição nacional da Companhia das Letras, considerado um dos doze melhores livros africanos do século XX. Encantei-me desde a primeira linha. Além de escritor, Mia é um extraordinário contador de história. Mais do que isso: sabe brincar com as palavras, valoriza-as, reinventa-as à moda de Guimarães Rosa e tem plena consciência do que está fazendo. Com isso, enriquece a narrativa, obriga o leitor a raciocinar e, no fim, todos se sentem felizes e satisfeitos.

Vejam só o início do primeiro parágrafo:

“Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras. A pausa se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à boca.”

E um pouco mais adiante:

“Um velho e um miúdo vão seguindo pela estrada. Andam bambolentos como se caminhar fosse o seu único serviço desde que nasceram. Vão para lá de nenhuma parte, dando o vindo por não ido, à espera do adiante.”

Precisa dizer mais? A última frase foi o modo de Mia dizer “sem destino”. Genial.

Segundo a orelha do livro, “cada frase de Terra sonâmbula resulta de um meticuloso trabalho de lapidação poética e confere nobreza artística a seu material linguístico primordial: as mitologias tribais e os casos que circulam de boca em boca pelos meandros da cultura oral africana, bastão de resistência num país como Moçambique, devastado por quase trinta anos de guerra anticolonial (1965-75) e civil (1976-92)”.

Mia Couto está no Brasil ou aqui esteve como participante do Congresso de Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado em Gramado (RS). Participou também da “Conversa com Bial”, na Globo, na última segunda-feira. E isso valeu-me duas certezas. Uma: o acerto da emissora platinada ao trocar Jô Soares por Bial. O programa de fim de noite ficou mais palatável, mais diversificado e mais inteligente. Pedro Bial sempre foi um excelente jornalista, muito mais preparado que o exibido e arrogante gordinho, cuja aposentadoria chegou em boa hora. Teve, é certo, um (imenso) momento de fraqueza, quando aceitou “animar” uma mediocridade chamada BBB. Mas parece haver-se recuperado a tempo, felizmente.

A segunda certeza: Mia Couto merece especial atenção. Não apenas pelo que escreve, mas também pelo que pensa, diz e faz. Como biólogo ativo, está a serviço da preservação da natureza. E, como intelectual, a serviço da inteligência e dos verdadeiros valores do ser humano.

Eis um trecho do discurso que proferiu na abertura do ano letivo do Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique:

“A pressa em mostrar que não se é pobre é, em si mesma, um atestado de pobreza. A nossa pobreza não pode ser motivo de ocultação. Quem deve sentir vergonha não é o pobre mas quem cria pobreza.

(…)

“Recordo-me que certa vez entendi comprar uma viatura em Maputo. Quando o vendedor reparou no carro que eu tinha escolhido quase lhe deu um ataque. ‘Mas esse, senhor Mia, o senhor necessita de uma viatura compatível’. O termo é curioso: ‘compatível’.

“Estamos vivendo num palco de teatro e de representações: uma viatura já é não um objeto funcional. É um passaporte para um estatuto de importância, uma fonte de vaidades. O carro converteu-se num motivo de idolatria, numa espécie de santuário, numa verdadeira obsessão promocional.

“Esta doença, esta religião que se podia chamar viaturolatria atacou desde o dirigente do Estado ao menino da rua. Um miúdo que não sabe ler é capaz de conhecer a marca e os detalhes todos dos modelos de viaturas. É triste que o horizonte de ambições seja tão vazio e se reduza ao brilho de uma marca de automóvel.”

Nada mais precisa ser dito.

Célio Heitor Guimarães

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Todos extintos – ou quase

Ruy Castro – Folha de São Paulo

H.L. Mencken (1880-1956), o jornalista americano cuja pena perturbava os poderosos, escreveu em 1922: “Onde fica o cemitério dos deuses mortos? Algum enlutado ainda regará as flores de seus túmulos?”. E escalou um escrete de divindades que, em seu tempo, significavam a morte para quem os desafiasse: Júpiter, Ísis, Baal, Amon-Rá, Thor, Saturno, Cronos, Belus, Vênus, Odim, Marte, Plutão, Huitzilopochtli, Tezcatlipoca e dezenas de outros. “Todos foram deuses da mais alta dignidade —deuses de povos civilizados”, escreveu Mencken. “Todos eram onipotentes, oniscientes e imortais. E todos estão mortos”.

O equivalente moderno de tais potestades foram certas marcas que, por décadas, fizeram parte de nossas vidas —de certa maneira, comandaram-nas— e nos habituamos a ver como eternas: Esso, Gulf, Texaco, Cadillac, Buick, Pontiac, RCA Victor, Pyrex, Catalina, Ray-Ban, Constellation, PanAm, Rinso, Kolynos, Gessy Lever, Gumex, Brylcreem e, até há pouco, Kodak, Xerox, Blockbuster. Não é necessário explicar a que produtos se referiam. Todas soam familiares. E todas se evaporaram de nossas vistas e vidas.

Assim como, no terreno nacional, o Mappin, a Mesbla, a Sears, o Fusca, o FNM (Fê-Nê-Mê), a Panair, a Varig, a Vasp, o “Correio da Manhã”, a TV Tupi, o Liberty Ovais, o Crush, o Grapette e, mais recentemente, o Bamerindus, o Unibanco, o Banco Real —e, se até os bancos brasileiros morrem ou se fundem, imagine as outras empresas.

Pois assim foi e será também com os partidos políticos. No passado, tivemos o solerte PSD (Partido Social-Democrata), de JK e Tancredo. Depois, a lúgubre Arena (Aliança Renovadora Nacional), que, um dia, julgou-se “o maior partido do Ocidente”. E, hoje, o PT e o PSDB, agarrados à ilusão de que ainda têm eleitores.

Todos extintos —ou quase.

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Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come!

República dos Bananas

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Duke

O Tempo (MG)

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Advocacia-Geral da União defende salário de ‘deputado da mala’

Mônica Bergamo – Folha de São Paulo

A Advocacia-Geral da União se somou à defesa do ex-deputado Rodrigo da Rocha Loures para defender o ato da Câmara dos Deputados que determinou que ele recebesse salário mesmo depois que teve o mandato suspenso pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Uma ação popular pede que Loures devolva os valores.

NA MESMA
De acordo com a AGU, a simples suspensão do exercício do mandato não equivale à perda do cargo. “Por este motivo, devem ser mantidos os direitos funcionais não afastados expressamente pela decisão do STF”, diz.

ENFERMARIA
Depois da suspensão, em maio, Loures seguiu recebendo, até junho, salário de R$ 33,7 mil e plano de saúde.

EXEMPLO
No período em que esteve suspenso, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) também manteve a remuneração, com descontos dos dias em que não compareceu às sessões deliberativas.

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Conceito de novo de Armínio Fraga é o velho após uma plástica

Janio de Freitas – Folha de São Paulo

Ao vetar investigações sobre o denunciado Michel Temer, a Câmara consagrou o direito de ser corrupto por estar no poder. Desde então, em entrevistas e em artigos de não jornalistas, sucedem-se preocupações urgentes com o conserto e o futuro do país, como se a decisão dos deputados fizesse soar o alarme. O professor Oscar Vilhena Vieira, por exemplo, em sua coluna na Folha alinhou e fundamentou, com precisão, quatro providências essenciais para melhoria da representação política no Congresso e nos Estados. O ministro Luis Roberto Barroso, sem sequer arranhar os limites de magistrado, aumentou a luminosidade e a ação do seu holofote crítico. E assim vários outros.

Dois deles prestam-se em alto nível a uma comparação que ilustra parte dos fatores –nas últimas décadas talvez a parte principal– da incapacidade brasileira de desligar-se do atraso e construir uma nação. Um é Armínio Fraga, destaque no mundo do dinheiro, especialista nos canais de produção dos lucros montanhosos sem as batalhas de produção e comércio, presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique. O outro é Benjamin Steinbruch, industrial não paulista, presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, um dos beneficiários da privatização, por valores degradados, dessa empresa e da Vale no governo Fernando Henrique.

Por coincidência não planejada, os dois estavam na Folha da última terça, 8. Fraga dispôs de página inteira e de 14 perguntas estimulantes, de Ana Estela de Sousa Pinto e Ricardo Balthazar. Não era preciso mais, mas não foi suficiente para obter-lhe alguma ideia nova. Ou uma ideia, simplesmente. Curioso é que seu tão repetido ataque ao “Brasil velho”, uma expressão vaga e usada vagamente, é a que melhor serve para caracterizar o que diz e, presume-se, o que pensa: Lula e o PT não podem voltar ao governo; o “ajuste” deve ser “bem feito e radical” porque “provavelmente aumentaria nossa capacidade de crescer”, e tome mais e mais diretas e indiretas contra a fantasmagórica volta de Lula.

Dilma? “Com certeza a saída dela ajudou muito”. Mas a quem e a quê? Entende-se que Fraga pare a frase naquele ponto: embora não por modéstia. Sugestões para o crescimento, contra o desemprego, os problemas sociais, saídas da crise, remodelação política –nada. Enfim, o novo de Armínio Fraga é o velho depois de uma plástica, como Moreira Franco.

Steinbruch ficou no tamanho de sua coluna quinzenal. “É preciso expor alguns números que mostram a gravidade da situação dos brasileiros”. E tome de Brasil: 13,5 milhões de desempregados é “número subestimado”. Entre 14 e 24 anos de idade, desemprego perto de 30%. No fim do ano, “segundo o Banco Mundial, cerca de 40 milhões de brasileiros em condição de pobreza”, com “renda de até R$ 140 por mês” (menos de R$ 5 por dia). Na classe média, “57% das família estão endividadas”. Seguem-se a crítica às medidas de “estratégia defensiva”, à educação e saúde que “pioraram assustadoramente” e à política “equivocada e omissa” dos juros.

São várias as medidas necessárias “para recolocar o país em crescimento”. Uma delas, uma das fundamentais é nada menos do que “extirpar o rentismo que domina o cenário há décadas”, o rentismo (de renda) que multiplica riquezas, não com trabalho e produção, mas com juros e Bolsa. Sugestão brava do industrial.

Armínio Fraga e Benjamin Steinbruch são linhas paralelas. A do primeiro predomina na influência sobre os poderes, porque adotada pelo empresariado militante e rico de São Paulo. Inclusive industriais, mais apegados aos lucros do rentismo do que a investimentos nas suas empresas. A linha de Steinbruch, a dos empresários que, nas crises econômicas como a atual, trabalham para não quebrar. Ou para não entregar sua empresa a empresários estrangeiros, o que hoje é comum.

Dessa divisão, com um lado predominante sobre o poder, nasce grande parte do que se chama, sem que sejam, “política brasileira” e “governo brasileiro”.

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Luiz Melodia|1951-2017

© Daryan Dornelles

Ficamos agora sem o nosso negro gato, a nossa pérola negra, a voz que embalou os sonhos de muitas juventudes. Ainda que não tivesse embalado os sonhos de milhões, embalou os meus, e a perda aqui dentro do cofre dos afetos seria a mesma. Resta o consolo de que herdamos a música, pois a obra permanece. Consolozinho furreca esse. Puído de tanto uso a cada perda.

Durante o dia de hoje vi nas redes sociais desabafos e lamentos e risadas de pessoas que tocaram com Melodia, beberam com Melodia, excursionaram com Melodia; todos têm, é claro, episódios hilários ou tocantes para contar. Eu não o conheci pessoalmente, a não ser no palco, nos muitos shows seus que assisti ao longo da vida, primeiro pelo Nordeste afora, e depois no Rio de Janeiro. Não sei avaliar a pessoa. Só tive acesso ao personagem.

Luiz Melodia foi a essência concentrada de uma faixa da música carioca revelada para nós brasileiros a partir dos anos 1960. Um grupo de negros talentosíssimos e instáveis que inclui Jorge Ben, Tim Maia, Jards Macalé e muitos outros. Cada um com perfil musical próprio, mas todos trazendo aquela medula de samba que todo mundo conhece tão bem. Para alienígenas como eu, que não obstante a alienação amam o samba, o samba é uma roupa. Para eles é uma pele. Se lhes arrancarem todas as roupas que levam ao palco (soul, pop, blues, o que quiserem) é o samba que os recobre e os mantém inteiros.

Todos estes se projetaram um pouco aproveitando as ondas sucessivas da Jovem Guarda e do Tropicalismo. Movimentos de jovens que ajudaram os jovens sambistas daquele tempo a aceitar com curiosidade e sem culpa os sons eletrificados da época em que subiram nos seus primeiros palcos.

O Jorge Ben que trouxe em 1963 seu Samba Esquema Novo já estava pouco depois sendo escalado pela imprensa nos times informais da Jovem Guarda, e chegaria depois a sua fórmula imbatível que eu nem sei mais como se chama, na salada de rótulos de hoje. Será “samba rock”? Não importa; me lembro de uma entrevista onde ele dizia que o seu segredo era ter na Banda do Zé Pretinho dois baixos elétricos.

Tim Maia não se encaixou na Jovem Guarda mas deu-lhe uma massacrante volta-por-cima quando voltou dos EUA com seus primeiros sucessos esmagadores embebidos no soul, na percussão balançante, nos metais implacáveis e alegres da Vitória Régia.

Jards Macalé foi o mais tropicalista deste grupo, nas parcerias, nas canções gravadas, nas posturas conceituais desconcertantes e desabusadas – sem deixar de ser um eterno lobo solitário, um bloco do eu-sozinho sem similar na música da pátria.

E Melodia passeava pelo blues, pelo pop, pela canção romântica – da qual ele tinha um modo também só-seu de drenar o excesso de água com açúcar e aumentar a voltagem de tragédia. Canção de amor na voz de Melodia era sempre uma canção de amor durante um bombardeio.

Em parte talvez por aquela mágoa ancestral que administra a alegria momentânea de tantos brasileiros. O samba que, como viriam a lembrar depois os pais do Tropicalismo, é o pai do prazer e o filho da dor. As canções de amor que Luiz Melodia pescava nos repertórios mais improváveis estão sempre contaminadas por essa tristeza imensa que os olhos dele mostravam em cada close, mesmo quando o verso era brincalhão ou otimista.

Era o nosso negro gato, dono do pedaço, player com sete vidas, malandro de dar drible em bala. E ao mesmo tempo alguém que parecia trazer nas costas o peso de um milênio de escravidão e a influência má dos signos do Zodíaco. E uma angústia profunda que conferia vastidão ao verso mais singelo que cantasse.

Sempre cercado por músicos de talento que achavam um privilégio dialogar com um voz como aquela, Melodia era como aquele ator de teatro que pega meia dúzia de falas desenxabidas de um autor sem inspiração e diz (respeitando cada vírgula delas) caminhões de subtexto. O segredo é a voz, que colore esses versos, tanto os de alta voltagem poética quanto os versinhos tapa-buraco das canções pop. Agarra todos – e eleva todos ao lugar de onde soa, seja o alto da montanha ou o fundo-do-poço do coração.

Melodia era, como Augusto, um monstro de escuridão e rutilância. Capaz de cantar a alegria do nascer do sol:

“Juízo Final” (Nelson Cavaquinho e Élcio Soares)
Aqui!

E de cantar a paz do cair da noite:

“Suave é a Noite” (Paul Francis Webster e Sammy Fain, versão  de Nazareno de Brito) Aqui!

De ir ao fundo do porão com o poeta que desceu aos infernos e sair dali brincando com as próprias cicatrizes:

“Que Loucura” (Sérgio Sampaio)
Aqui!

Era uma voz de quem foi lá no fim do futuro, viu tudo – e jurou não contar nada quando voltasse. As canções falam do presente, da vidinha boa e boba de todo mundo a cada dia. Era somente o olhar quem revelava o que ele viu, e a voz que nos consolava, como se dissesse: “Não se preocupe, não aconteceu ainda”.

Braulio Tavares

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Sponholz

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