Bernardo Mello Franco – Folha de São Paulo
BRASÍLIA – A noite de quarta-feira, 30 de novembro, foi daquelas que ficarão na memória. Em Medellín, na Colômbia, um estádio lotou sem nenhum time em campo. A torcida estava lá para homenagear as 71 vítimas da queda do avião da Chapecoense, a maior tragédia do esporte brasileiro. A cerimônia emocionou milhões de pessoas nos dois países.
Enquanto a multidão chorava, um grupo de 52 pessoas confraternizava animadamente em Brasília. Eram senadores reunidos na casa do líder do PMDB, Eunício Oliveira. No fim da noite, a festa ganhou o reforço do presidente Michel Temer, que distribuiu gracejos e degustou um legítimo havana oferecido pelo anfitrião.
O contraste entre lágrimas e charutos resume a distância crescente entre o mundo político e as ruas. O fosso se ampliou nesta semana, quando o Congresso afrontou a sociedade ao aprovar medidas de arrocho e costurar amarras para conter o Ministério Público e o Judiciário.
Na terça, o Legislativo aproveitou o luto nacional para acelerar votações impopulares. O Senado aprovou, em primeiro turno, a emenda que congelará gastos sociais nos próximos 20 anos. Do lado de fora, a polícia reprimia os descontentes com bombas de gás e balas de borracha.
Poucas horas depois, a Câmara desfigurou as chamadas dez medidas contra a corrupção. O pacote incluía ideias reprováveis, como a validação de provas obtidas de forma ilegal, mas sua mutilação foi uma mera revanche de políticos na mira da lei.
O desprezo pela opinião pública não tem sido exclusividade dos congressistas. No início da semana, Temer chamou de “fatozinho” o escândalo que acaba de derrubar mais dois ministros de seu governo. Ele ainda deve explicações convincentes sobre o caso, em que é acusado de pressionar um auxiliar para favorecer interesses particulares de outro.
No coquetel dos senadores, a preocupação do presidente era outra: não ser filmado ou fotografado enquanto dava suas alegres baforadas.