A Flip homenageou este ano em Paraty a poeta Ana Cristina César, uma das figuras emblemáticas de uma geração poética concentrada no Rio e São Paulo. Eu daria como figuras também emblemáticas desses dois grupos Chacal, no Rio, e Glauco Mattoso em São Paulo, sempre ressalvando que quaisquer dois poetas são tão diferentes quanto quaisquer dois poemas, e que a poesia de cada poeta do mundo, boa ou ruim, é única e intransferível.
Essa turma se espalhava Brasil afora, e cada capital, pelo menos, tinha seu surto de pessoas meio descabeladas vendendo livrinhos artesanais e recitando onde quer que pudessem ser ouvidos por alguém. A turma se chamou ou foi chamada de “poesia marginal”. Um termo que ainda hoje é questionado, defendido, relativizado ou metaforizado em mesas de bar. Cada um vê de um jeito.
Na Paraíba eu lia a imprensa alternativa da época, conhecia muitos poetas, e tinha a impressão de que “marginal” indicava uma coisa meio encalhada nas margens, ao invés de fluir com a credibilidade e o peso que tem a corrente principal do rio. Os critérios de qualidade ou representatividade são definidos na área dominada pelo mainstream estético. É a região da literatura formal, no sentido que damos a “economia formal”: a literatura das editoras. A literatura que requer contratos, protege direitos, taxa atividades, registra ISBN, escaneia código de barras. No extremo de sua cauda ou na aresta de sua barbatana está a literatura informal, a que não faz nada disso, a que (ou as que) escrevem, publicam e circulam como lhes der na telha e lhes couber no bolso.
Se a literatura que encontramos nas grandes livrarias e nas bibliotecas e nas premiações públicas e privadas e nas listas de mais vendidos e nos catálogos das editoras mais disputadas é o mainstream, a poesia marginal seria aquela sucessão de remansos, de poças, de infiltrações de uma água inquieta que, não conseguido correr na direção do mar junto com a corrente principal, resolve desbravar terra adentro.
Vista à distância, a informalidade econômica dos marginais de cantina de universidade e barzinho boêmio era a mesma do cordelista de gráfica e de feira. Era o livro de quem não tem direito ao livro.
O poeta marginal sabia que editora não ia fazer o livro do jeito que ele queria. E pensava: Vou fazer eu mesmo, tenho mil opções baixo-orçamento. O livro é meu, então se eu quiser eu boto palavrão, boto foto de cabeça pra baixo, boto capa do meu primo que desenha melhor do que eu, deixo a ortografia do jeito que Deus mandar. A marginalidade significava para muitos ser totalmente livre num pequeno espaço. Continue lendo