A base congressual de Michel Temer pode não ser um bom exemplo. Mas é um ótimo aviso. Em votação encerrada na madrugada desta quarta-feira, a Câmara aprovou a proposta de renegociação das dívidas dos Estados com a União por 282 votos favoráveis e 140 contrários. Antes, os aliados do Planalto exigiram que fosse subtraído do texto artigo que obrigava os governadores a congelar por dois anos os gastos com salários. A meia-volta desautorizou o ministro Henrique Meirelles (Fazenda).
Na segunda-feira, Meirelles convocara uma entrevista para informar que negociara a manutenção no projeto de duas contrapartidas à renegociação das dívidas estaduais. Numa, os governadores se comprometeriam a limitar o aumento dos gastos dos seus respectivos Estados à variação da inflação do ano anterior. Noutra, assumiriam o compromisso de mandar ao freezer os reajustes salariais.
“O importante neste momento é o foco no ajuste fiscal dos Estados e numa aprovação não só da repactuação das dívidas, mas das contrapartidas”, dissera Meirelles, incomodado com o noticiário sobre as desconfianças do mercado em relação aos compromissos do governo com a austeridade.
De tanto ceder aos congressistas, a gestão Temer passou para os agentes financeiros a impressão de que os parlamentares que ameaçam o govenro não perdem por esperar. Ganham. Foi o que sucedeu nesta madrugada. Os aliados do Planalto ameaçaram rejeitar o projeto se o artigo do congelamento dos salários não fosse suprimido. Para não perder os dedos, Temer entregou os aneis.
Na semana anterior, a proposta já havia passado por uma primeira lipoaspiração. Por pressão, Meirelles topara manter no projeto uma única contrapartida: o teto de gastos limitado à variação da inflação. Rendera-se às pressões de quatro corporações: Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunais de Contas dos Estados.
Esses órgãos ficaram desobrigados de lançar como despesas salariais a contratação de terceirizados e os gastos com auxílios indiretos e indenizações que constam do contracheque —coisas como auxílio-moradia, auxílio-paletó, auxílio-creche…
Com isso, foi para o beleléu o trecho do projeto que impunha o realismo salarial, eliminando maquiagens contábeis que fazem das folhas de vários Estados peças de ficção. O embelezamento artificial das contas leva ao desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita as despesas com salário a 60% da receita líquida corrente.
A votação da proposta terá de ser concluída na manhã desta quarta-feira. Aprovou-se de madrugada apenas o texto-base, excluídas as emendas que sugerem modificações. Uma das emendas pendentes de votação exclui do projeto o artigo que trata do teto de gastos. Espera-se que o governo consiga derrubá-la. Sob pena de transformar Meirelles num ministro sem nexo. Concluída a votação, a proposta irá ao Senado.
Josias de Souza