Howard Spence (Sam Shepard) já teve dias melhores: antes um protagonista dos westerns, agora ele só consegue papéis secundários e leva uma vida autocentrada, afogado em álcool, drogas e jovens mulheres. Até que um dia sua mãe revela que ele tem um filho (ou filha, não se sabe ao certo) desconhecido. Howard vê nisso uma razão para remontar ao passado e, a partir daí, conviver melhor com o presente. No seu caminho estarão um velho caso de amor, um jovem casal, uma estranha e desconhecida garota e até mesmo um “caçador de recompensas” enviado pelo estúdio de cinema que ele abandonou no meio de uma filmagem.
Quando realizou Paris, Texas, Wim Wenders acreditava que o cinema havia se tornado uma atividade difícil. Toda beleza possível nasceria de um sofrimento – o sofrimento de fazer cinema em meio à sua morte. Nick’s Movie, O Estado das Coisas, O Amigo Americano: o cinema deixou de ser o espaço dos mitos, virou depósito de zumbis. O encantamento do filme se dava à revelia, através dessa dificuldade mesmo diante das formas mais antigas do cinema – levando o cineasta a construir o mais complexo dispositivo somente para encenar um campo-contracampo (o jogo de luzes e reflexos na cabine de peep show ao final de Paris, Texas). Mas vieram os anos 90 e o cinema se reinventou sem tomar o passado como assombração.
Wenders, contudo, não sobreviveu à sobrevivência do cinema. Continuou apostando na desafecção de seus signos, assim como na distância assexuada instalada entre os homens. Ou no contrário: deslumbramento com as distâncias encurtadas virtualmente. Wim Wenders tornou-se um filósofo raso, além de um cineasta sem vontade de cinema. Antes ele citava seus mestres, aludindo à história do cinema que pesava sobre seus ombros e o fazia demorar a ir adiante (uma vez que a perfeição da forma clássica já fora atingida por Ray, Ford, Hawks, Walsh e a capacidade de experimentar se exaurira com o cinema moderno). Agora que a melancolia se transfigurou em rancor – de ex-queridinho dos júris de festivais e dos críticos a motivo de paródia, ele não apreciou em nada a mudança –, Wenders cita seus próprios filmes: a meia vermelha que Sam Shepard usa em Don’t Come Knocking já é uma citação menos a Nicholas Ray do que a Nick’s Movie. Continue lendo