Millôr Fernandes deixa uma obra monumental, de texto e desenho, cuja superfície ainda nem começamos a roçar. Como os scholars nunca se apresentaram para “desconstruir” essa obra e dar a medida de sua grandeza, ele teve de se contentar com a popularidade: os milhões de leitores que conquistou em O Cruzeiro, Veja, O Pasquim e nos demais veículos que abrilhantou nos últimos 70 anos.
Quase toda a sua enorme produção foi reciclada em livro e, de uma forma ou de outra, está disponível – para não falar em blogs, de que foi pioneiro no Brasil. Podemos “acessar” Millôr. Só não podemos explicá-lo. Não há formato de texto de imprensa que ele não tenha experimentado: editorial, panfleto, sátira, paródia, fábula, conto, aforismo, diálogo, trocadilho, verso livre ou metrificado, haicai – tudo quase sempre associado a algum grafismo sem paralelo no Brasil. Também dirigiu revista e jornal, escreveu teatro (como autor ou tradutor), fez letra de música e foi mestre de cerimônias de espetáculos.
Mas nunca fez nada disso para exibir seu virtuosismo. Cada formato, atividade ou recurso era apenas o mais adequado ao que ele quisesse dizer – e, em qualquer momento, Millôr sempre tinha o que dizer a respeito de comportamento, cultura, política, ética, ciência, religião e do que você quiser. Do buraco de rua aos desvãos da ideologia, deixou palpites certeiros, originais e provocadores sobre praticamente tudo e sempre a contrapelo da unanimidade. Era um homem de Ipanema, do Brasil e do mundo.
Inteligência, independência e autossuficiência
Escrevi certa vez que, se batidos num liquidificador, Ambrose Bierce, de O Dicionário do Diabo, o vienense Karl Kraus e o romeno E. M. Cioran, famosos internacionalmente por suas frases, não valiam meio copo de Millôr. Mas começo a achar que ele era páreo até para seus heróis: Bernard Shaw, no texto, e Saul Steinberg, no desenho.
Conheci Millôr em 1968, na revista Diners, apresentado por Paulo Francis. Era impossível aproximar-se dele sem admirar sua inteligência, independência e autossuficiência – cada qualidade sustentava as outras duas e o tornava quem ele era. E nunca passei cinco minutos a seu lado sem me sentir mais iluminado. Rui Castro
Millôr. Acervo do Instituto Moreira Salles.Foto de Cristiano Mascaro
Millôr tinha um jeito peculiar diante dos elogios. Jamais o agradecimento convencional. Fazia uma breve referência ao que fosse elogiado. Diferente para os íntimos: uma interpretação a mais, a origem ou o propósito. Todos com o adorno de risos rápidos.
Não eram respostas de diletante. Coisa de profissional, de quem sabia a medida do que fez. “Escrevo e desenho porque sou profissional e como profissional”, frase, talvez, não totalmente verdadeira, mas sincera como expressão do Millôr visto por Millôr.
Daí veio a curiosidade a que ele não me deu resposta convincente, nunca: por que você continua sem lançar seu trabalho no exterior? Quando é que você vai enfim contratar um agente internacional? As respostas evasivas pretextavam depressa outro assunto.
Millôr foi um talento universal. Seu desenho e seu humor se fizeram com a linguagem do mundo. O mundo o esperou em vão, no entanto. A universalidade de Millôr, paradoxalmente, ficou apenas no âmbito doméstico.
A administração da sua obra por este empolgante Instituto Moreira Salles promete nova oportunidade para o mundo e suas melhores publicações, editoras e galerias. Apesar de tudo, o mundo a merece.
Minha geração teve o privilégio de ser alfabetizada e, ainda melhor, analfabetizada pelo Pif-Paf, seção assinada por Emmanuel Vão Gogo, na revista semanal O Cruzeiro. O verdadeiro autor do Pif-Paf, Millôr Fernandes, tinha horror a todos os cânones. Sempre desconfiava das fórmulas e desmontava, quase por compulsão, o que há de clichê no pensamento. Sua inteligência anárquica nunca foi amestrada pela razão e pela semântica:
“Penicilina puma de casapopéias Que vais peniça cataramascuma Se partes carmo tu que esperepéias Já crima volta pinda cataruma.
Estando instinto catalomascoso Sem ter mavorte fide lastimina És todavia piso de horroroso E eu reclamo — Pina! Pina! Pina!
Casa por fim, morre peridimaco Martume ezole, ezole martumar Que tu pára enfim é mesmo um taco.
E se rabela capa de casar Estrumenente siba postguerra Enfim irá, enfim irá pra serra.”
Quando conheci o Millôr de perto, descobri que ele era um fã de poesia, e repetia de cor diversos poemas extraídos da Antologia de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Entre seus favoritos, um de Machado de Assis, dedicado à sua amada, Carolina: “Querida, aos pés do leito derradeiro…” Que Millôr parodiava, dizendo a estrofe final como se fosse papo de botequim ou de surfista, detonando a pompa fúnebre do poema: “Que eu, se tenho nos olhos malferidos/ Pensa-mentos de vida formulados,/ São pensamentos idos e vividos.”
Aliás, Machado de Assis era um dos temas favoritos de nossa conversa, que durou 40 anos. Millôr tinha uma implicância terrível com Machado, e a cada dois anos descobria nele um defeito novo. O último foi que Bentinho, protagonista de Dom Casmurro, era na verdade apaixonado por seu amigo Escobar, e não tinha o menor interesse por Capitu. Discutimos o tema por alguns anos. No fim, capitulei.
Era uma delícia discutir com o Millôr. Tínhamos concepções quase sempre divergentes sobre quase tudo. Política, psicanálise, antropologia. Era raríssimo haver um filme sobre cujas qualidades concor-dássemos. Havia 29 anos de diferença entre nós e eu trazia os vícios intelectuais da minha geração. Ele talvez me considerasse um ET, mas, a despeito disso, sempre me tratou como se pertencesse ao mesmo planeta. E se tornou um sol, em torno do qual sempre orbitei.
Não me atrevo a enumerar aqui as conquistas intelectuais e artísticas do Millôr que testemunhei. Penso nelas todos os dias: não há acontecimento que não me sugira uma lembrança, um verso, um apotegma – com o perdão do palavrão, que ele adorava. Imagino que ficará dele a imagem do polemista, capaz de espinafrar todos os mandatários da república e de refutar as autoridades filosóficas do nosso tempo, entre as quais Freud: “Mulher não tem inveja do pênis: tem inveja é da água encanada.”
Millôr não só era o humorista mais brilhante, mas também um lírico, assediado pelos fantasmas da finitude, do amor e da morte. Seria uma pena que a posteridade não guardasse a memória de sua delicadeza. Quando fiz 35 anos, por exemplo, idade que, para Millôr, era o apogeu de nossa zoologia, ele me deu de presente um livro de arte, chamado La mutation d’un paysage. Nele, o pintor Jörg Müller pinta sempre a mesma paisagem, que vai sendo degradada por interferência da ocupação humana. No cartão que me trouxe com o presente, estava escrito: “Ao companheiro G, na data de seu natalício aniversarial, este livro de uma paisagem, uma via, uma memória, um desastre urbano e humano, para que não se esqueça que todo homem, ao desaparecer, leva no coração várias cidades mortas.”
Felizmente, boa parte do seu talento foi registrada em imagens e palavras. Assim, espero que os leitores do futuro tenham a sorte de adivinhar que, por trás de sua inteligência incomparável, havia também um ser humano raro e rarefeito, feito de som e fúria e de não ser. E que por trás de seu humor e de sua ironia havia sempre a celebração dessa alegria efêmera chamada vida.
Millôr, além de tudo o que criou, e criou de tudo, criou também um engano involuntário. A propósito dele mesmo, mas não o engano do nome. Milton de verdade, na certidão e por desejo paternal, Millôr por sargentada de um militar que cismou ser o t um segundo l e o traço do t um circunflexo no o: “É Millôr!”. Miltinho até os 17 ou 18, Millôr para sempre.
O outro engano recaiu sobre nós. Acompanhou Millôr desde a primeira página do “Pif-Paf” no longínquo “O Cruzeiro” e agora se mostra com toda intensidade, nos jornais, nas TVs, nas conversas sobre “o humorista Millôr”. Mas desengane-se: Millôr não era humorista. Millôr foi um pensador. Brilhante e fertilíssimo pensador. Ilimitado nos temas e incessante no seu exercício de pensador.
O humor foi uma linguagem para o pensador. Uma das linguagens. Como a palavra, escrita ou vocalizada. Como o traço e as cores no desenho e na pintura, de uma riqueza de sentidos só comparável à preciosidade da criação estética. Como a elaboração cênica e verbal do autor de teatro. O humor foi a mais presente e perceptível linguagem de Millôr, mas linguagem do pensador.
Cada sentença e cada texto, cada pintura e cada peça, cada conversa de Millôr conteve, sempre, um significado ético, ou humanístico, ou crítico, e mais, mais -sempre o significado adicional, além do visível e do audível. E, no final, ali estava a razão de ser do escrito, do desenhado, do dito. E nada construído: nascido, simplesmente.
Pensador de hábitos inesperados. Quando Paulo Mendes Campos, Marco Aurélio Mattos e eu, o caçula aceito, chegávamos de manhã à praia, já Millôr havia feito ginástica em uma academia precursora e repetido corridas na areia. Encontros por anos e anos, cujas conversas não terminaram ainda: percorrem com frequência minha cabeça, em pedaços que esperavam continuação ou que são inesquecíveis. Eram três intelectuais gigantescos, a me injetar, sem querer, perplexidades e curiosidades, um dia porque alguém decidira ler Humboldt, no outro porque alguém descobrira uma sutileza ainda impercebida em certa passagem de Shakespeare, ou um pintor, um livro, muitos livros – tudo terminava em livros.
O último de nossos almoços regulares, que desde as dificuldades físicas de Millôr estavam transferidos para o seu estúdio, foi também o último seu com amigos. Naquele dia, ainda Luis Gravatá e Cora Rónai. Foi suave, mais longo do que o habitual por insistência do Millôr. No dia seguinte, de repente, Millôr iniciou longo período de vida quase toda em ausências.
Quando dirigiu a Casa Laura Alvim, Eliana Caruso fez uma edição fac similar da revista “Pif-Paf”, que Millôr lançou depois de deixar “O Cruzeiro”. Tiveram comigo a gentileza de me entregar o texto de apresentação. Terminei-o com uma frase mais ou menos assim: “Tive a sorte de conhecer um gênio”.
Mais do que conhecer, a sorte me permitiu o convívio. Foi uma amizade de quase 60 anos, sem baixios, com intimidade bastante para as confidências nas aflições e em coisas pessoais, para solidariedade e confiança. Minha gratidão, meu amigo Millôr.
Janio de Freitas|Folha de S. Paulo, sexta-feira, 30 de março de 2012
IMS incorpora 7 mil originais que abrangem 75 anos de produção do mordaz artista carioca.Ivan Fernandes. Foto de Marcos de Paula
Millôr Fernandes costumava dizer que “quem tem obra é pedreiro”, talvez demonstrando certa ojeriza pela “canonização” de um legado. Com a remoção, esta semana, do acervo que o artista gráfico, caricaturista, cartunista, escritor, dramaturgo e jornalista deixou em sua cobertura-estúdio em Ipanema, fica claro que ele foi um pedreiro pródigo, que erigiu condomínios intelectuais inteiros.
Cedido em comodato por 10 anos ao Instituto Moreira Salles (IMS) pelo seu filho, Ivan Fernandes, o acervo pictórico de Millôr Fernandes revela notável capacidade de produção, que compreende sua carreira desde o início, aos 13 anos, até a morte, aos 88 anos, em março de 2012. Há também 44 quadros, cartas, álbuns, uma mapoteca, artigos de jornais e revistas (foi colaborador do Estado entre 1996 e 2000).
“Estou cedendo o acervo sem nenhum tipo de restrição, a não ser a exigência de que seja mantido no Rio de Janeiro”, diz Ivan Fernandes, de 59 anos, filho do artista. “Claro que isso não impede de o instituto fazer exposições em qualquer lugar do País ou do mundo.” Fernandes acredita que o material inventariado na cobertura possa conter pelo menos 80% do que Millôr produziu, considerando-se a data inicial de 1945 como base.
A obra de Millôr será abrigada, no Instituto Moreira Salles, na reserva técnica da coleção de iconografia, que possui cerca de 2,7 mil imagens (a maioria de pintores-viajantes dos séculos 16 a 19). Millôr trará o setor para os séculos 20 e 21. O Instituto Moreira Salles informou que não pagou pelo arquivo, foi uma cessão voluntária da família. E que não tem intenção de incorporar novos acervos que tenham “algum parentesco” com a produção gráfica de Millôr. A peculiaridade da obra é que atraiu o IMS.
“Ele é tão absolutamente excepcional que não inaugurará nenhuma ala no instituto, será apenas ele. É porque é o Millôr, um cara de exceção: um excepcional artista gráfico, que escrevia muito, que também produzia aforismos e haicais, que também era dramaturgo e um tremendo tradutor”, afirma Flávio Pinheiro, superintendente do Instituto Moreira Salles.
Segundo Julia Kovensky, coordenadora de iconografia do IMS e responsável pelo levantamento, nada do que ela encontrou no acervo estava em estado precário. Apenas um ou outro clipe oxidado para ser removido. Millôr mantinha tudo muito bem preservado e organizado, tanto que ela fez em cinco dias aquilo que esperavam que levasse um mês de trabalho. “O que me impressionou foi o volume muito grande de trabalhos, é uma obra monumental”, afirmou Julia.
O que não está ali pode ainda ser “garimpado” pelo mundo e vir a integrar o acervo. A família é zelosa para evitar um “derrame” de obras do artista. Na semana passada, por exemplo, surgiu um desenho num leilão no Rio de Janeiro. O proprietário disse que ganhara o desenho de Millôr quando este tinha 15 anos, mas não tinha comprovação disso. Por exigência da família, o desenho foi retirado do leilão. Ivan Fernandes diz que uma das exigências de seu pai quando era ilustrador de jornais e revistas é que seu trabalho fosse publicado apenas uma vez e que lhe fossem devolvidos os originais.
Quanto aos seus quadros, dificilmente poderão aparecer surpresas em sua produção. Fernandes conta que Millôr só fez três exposições individuais na vida: uma no Museu de Arte Moderna, em 1957, na qual não havia venda dos trabalhos (era uma mostra); outra em 1963, na Petit Galeria; e outra na Galeria Grafite, em 1975. Todas essas mostras têm vendas registradas. “Surgir um desenho do meu pai num leilão é quase uma anomalia”, diz.
O blog do IMS (www.blogdoims.com.br) publica a partir de hoje depoimentos sobre Millôr Fernandes escritos por Fernanda Montenegro, Luis Fernando Verissimo, Jânio de Freitas, Geraldo Carneiro e Sergio Augusto. No dia 9 de abril, a Fundação Mário Soares, em Lisboa, exporá 30 reproduções de quadros do artista, com consultoria do filho, Ivan Fernandes.
Jotabê Medeiros, enviado especial/ Rio – O Estado de S.Paulo
“Tomei essa decisão porque jamais poderia cuidar de um acervo desse tamanho sozinho” diz Ivan Fernandes.Livros, produção teatral e desenhos serão geridos por instituições diferentes. Foto O Globo
Hoje, quando completa um ano da morte do desenhista, dramaturgo, tradutor, jornalista e escritor carioca Millôr Fernandes (1923-2012), Ivan Fernandes, seu filho mais velho, anuncia que vai “profissionalizar a gestão” do acervo do pai.
Galeria. O legado de Millôr
Para isso, Ivan dividiu em três partes o material que desde 1962 enche (de forma extremamente organizada) gavetas, estantes e armários no estúdio em que Millôr trabalhava — uma pequena cobertura em Ipanema. A partir de agora, tudo o que diz respeito aos mais de 120 livros assinados pelo autor de “Fábulas fabulosas” (1964), por exemplo, ficará sob a responsabilidade da agente literária Lucia Riff. Tudo o que tange à produção teatral — e aí entram mais de 80 peças escritas por Millôr, mas não necessariamente encenadas — correrá a cargo da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus). E a parte mais colorida do acervo — os desenhos, aquarelas e crayons, entre outros trabalhos que saltam aos olhos dos fãs — serão levados ao Instituto Moreira Salles (IMS), na Gávea. Além de armazenar e conservar cerca de sete mil itens, a instituição poderá organizar exposições e planejar novas publicações em torno do nome de Millôr.
— Tomei essa decisão porque jamais poderia cuidar de um acervo desse tamanho sozinho — explica Ivan, sentado próximo à mesa de trabalho e aos lápis de colorir de seu pai. — Admiro muito o esforço que herdeiros como o João Candido Portinari fazem, mas não quero ser como eles. Quero que a obra de meu pai seja preservada, mas não pretendo fazer disso minha vida.
“Dinheirinho no banco”
Ivan recebeu da irmã, Paula, a outra única herdeira de Millôr, autorização para gerir o acervo em nome dos dois. Segundo ele, a procura deve ser grande. No último ano, Ivan recebeu pelo menos uma dezena de propostas para liberar o uso de trabalhos de seu pai em eventos.
— Mas, na maioria das vezes, foram propostas indecorosas camufladas de homenagens — ele diz. — Houve quem quisesse montar uma peça sem pagar os direitos. Eu me aborreci com isso. Agora, basta de homenagem, até porque a maior delas já foi feita no largo do Arpoador, que virou Largo do Millôr. O que quero é dinheirinho no banco.
No que diz respeito a reavivar a produção literária de Millôr Fernandes, o trabalho já engatou. Lucia Riff conta que passou as últimas semanas renegociando com a editora L&PM os contratos de cerca de 30 títulos assinados pelo escritor, mas ressalta que sua função como agente está só começando:
— Millôr tem coisas antigas sensacionais, coisas que estão fora do mercado há anos e que precisam ser resgatadas. Também vamos trabalhar o que foi mal publicado e anda abandonado. Não tenho a menor dúvida do potencial que existe pela frente. E um dos exemplos disso é a grande procura que tivemos recentemente para o uso da obra dele em livros didáticos, por exemplo.
Apesar de ter feito diversas pesquisas, nem Ivan nem Lucia sabem ao certo quantos livros levam a assinatura do escritor. Há quem diga que são 123. Há quem diga que são 189. Mas o fato é que hoje só 21 deles podem ser encontrados em livrarias.
— Reeditar todo esse material é uma das tarefas da Lucia — diz Ivan. — Mas não vai ser fácil. Meu pai fez a loucura de distribuir suas publicações por 14 editoras.
6.577 obras em papel
Em relação aos textos teatrais deixados pelo pai, o filho mais velho de Millôr decidiu que o melhor caminho seria passar a responsabilidade da gestão dos direitos autorais ao departamento de Teatro e Dança da Abramus.
— Tirei tudo da Sociedade Brasileira de Autores (Sbat) porque eles já não estão dando conta e é muito material. No último ano encontrei cerca de 80 peças de meu pai digitalizadas, mas acho que ainda há muito mais por aí — afirma Ivan. — Nas próximas semanas vou à Funarte, à Biblioteca Nacional e até ao antigo departamento de censura para solicitar tudo que é de papai e que passou por lá. Estou curioso.
Por fim, está a parte do acervo que, nos próximos dias, será retirada pelo IMS do pequeno quarto e sala de móveis vermelho-sangue situado no coração de Ipanema. Segundo Julia Kovensky, que coordena o setor de iconografia do instituto e que passou uma semana enfurnada no estúdio inventariando o material, esta é a parte mais conhecida e admirada do trabalho de Millôr.
— Nas duas mapotecas dele, encontramos 6.577 obras em papel em diversas gramaturas. São trabalhos em nanquim, aquarela, crayon, guache e muitas colagens. O humor típico dele permeia quase tudo. Eu e minha assistente rimos muito durante o trabalho — conta Julia.
Nos quatro arquivos verticais (também vermelhos), a jovem geógrafa achou pastas suspensas detalhadamente organizadas pelo próprio Millôr.
— Ele as dividiu por temáticas como racismo, morte e adultério e pôs, dentro delas, centenas de recortes de jornal e pedaços de textos que provavelmente serviriam de fonte de pesquisa ou de inspiração algum dia — diz Julia.
Além de tudo isso, o IMS também ficará responsável por guardar e disponibilizar para consulta 44 quadros pintados pelo desenhista e 101 encadernações feitas pelo próprio Millôr com a maioria dos trabalhos que ele publicou.
— Essas encadernações são verdadeiros clippings ou portfólios — explica Julia. — Têm tudo que o Millôr publicou nas revistas “Cruzeiro”, “Pif Paf”, “Isto É” e “Veja”, além do que saiu no “Pasquim” e no “Jornal do Brasil”. É um material fantástico, muito bem organizado e catalogado por ele mesmo.
O início do “desmanche” do estúdio que por 40 anos serviu de escritório para Millôr está agendado para os próximos dias. Julia e um caminhão do IMS vão estacionar na Rua Gomes Carneiro e retirar do local mais de sete mil itens que contam a história de Millôr. Ivan nega tristeza. Diz que acabaria tendo que tirar tudo dali de qualquer jeito:
— O estúdio fica num prédio residencial. Não poderia abrir um instituto aqui nem que eu quisesse. Então, desmontar esse ateliê, que foi tantas vezes retratado por meu pai, já estava no script. Faz parte do trabalho de um herdeiro.
Mas, para que esse capítulo da história do pai não termine de forma fria, sem cor, Ivan anuncia um evento:
— Depois que o IMS levar as obras e todo o arquivo pessoal de meu pai, ficarão para trás as centenas de livros dele. Vou convidar os amigos, Ziraldo e companhia, para vir aqui e escolher o que quiserem levar. Papai ficaria feliz com isso.
Um dos presentes para a cidade, no mês em que Curitiba completa 320 anos, é o lançamento do livro “Dramaturgias Curitibanas 2011/2012”, que acontece às 19h desta quinta-feira (28), no Teatro Novelas Curitibanas. O livro, que na ocasião terá distribuição gratuita, reúne seis autores curitibanos, selecionados pelo Edital Oraci Gemba – Fomento em Literatura Dramática do Fundo Municipal da Cultura. A entrada é franca.
Em sua quarta edição, a publicação conta com as obras “23 de Setembro”, de Diego Fortes; “Otto e Maria”, de Enéas Lour; “Encontros Diários”, de Lígia Souza Oliveira; “Medeia”, de Luiz Felipe Leprevost; “Miguel Bakun, Sua Natureza…”; de Luiz Roberto Meira; e “O Beijo”, de Silvia Monteiro.
Diego Fortes apresenta o hipertexto como meio de expressão. Em fragmentos diversos, o autor revela o “23 de Setembro” da vida de Maria Elena, que une o Chile e o Brasil contemporâneos. Enéas Lour propõe uma história de amor, “Otto e Maria”, que tem como cenário o Brasil e a Alemanha nos tempo da 2ª Guerra Mundial, num manifesto contra o preconceito e a intolerância.
Ligia Souza Oliveira, em seu “Encontros Diários”, retrata a relação entre duas crianças que conversam e um rato que espreita num espaço-tempo deslocado, onde o que é e o que não é real não tem a menor importância. Luiz Felipe Leprevost mostra uma Medeia renovada. A condição da mulher em nossos dias é explorada de forma sensível e sem concessões. Luiz Roberto Meira, com “Miguel Bakun, Sua Natureza…”, propõe o choque entre o mundo real e a natureza delicada do artista. A vida e a morte de Miguel Bakun servem perfeitamente a esse propósito. Por fim, o beijo náutico de Sílvia Monteiro. A trama lírica de “O Beijo” se desenrola numa bucólica Paranaguá do século XIX.
Serviço: Lançamento do livro “Dramaturgias Curitibanas 2011/2012”, com obras de Diego Fortes, Enéas Lour, Ligia Souza Oliveira, Luiz Felipe Leprevost, Luiz Roberto Meira e Sílvia Monteiro, autores selecionados pelo Edital Oraci Gemba – Fomento em Literatura Dramática do Fundo Municipal da Cultura. Local: Teatro Novelas Curitibanas (Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1.222. – São Francisco). Data e horário: dia 28 de março de 2013 (quinta-feira), às 19h, com distribuição gratuita da publicação. Entrada franca Informações: (41) 3321-3358
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