A esfinge indecifrável

Decifrar o romance experimental de Leminski é tão difícil quanto acertar os seis números da Mega-Sena. Iluminuras reedita Catatau, o livro de estreia de Paulo Leminski, publicado em 1975 e há alguns anos fora de catálogo.

Paulo Leminski (1944-1989) mostrou muitas de suas intenções e antecipou o que viria a fazer no futuro em Catatau, o primeiro livro que publicou, em 1975, e que acaba de ser reeditado pela Iluminuras. A obra é uma espécie de esfinge, que tende a devorar todos os que dela se aproximam. Decifrar o romance experimental é tão difícil quanto acertar os seis números da Mega-Sena. Sem exagero, talvez seja até mais fácil faturar o grande prêmio em dinheiro do que decodificar o que Leminski fez em seu projeto inicial de ficção, que provocou e ainda provoca turbulência na literatura brasileira.

A trajetória engenhosa de Leminski

Nasceu em Curitiba, no dia 24 de agosto de 1944. Em 1958, com 14 anos, passou 12 meses no Mosteiro de São Bento, em São Paulo. Participou do 1º Congresso Brasileiro de Poesia de Vanguarda, em Belo Horizonte. Em 1965, tornou-se professor de História e Redação. Posteriormente, atuou na publicidade. Foi letrista de canção popular. “Verdura”, de sua autoria, foi gravada por Caetano Veloso. Entre os seus livros, destaque para Polonaises (1980) e Distraídos Venceremos (1987). Morreu no dia 7 de junho de 1989, em Curitiba.

O argumento da obra já é uma isca que tende a seduzir, e a fisgar, o leitor. Renatus Cartesius, o protagonista e narrador, é um sujeito que chega ao Recife em meio às embarcações de Maurício Nassau, no século 17, nas chamadas invasões holandesas.

O nome do protagonista é uma referência ao filósofo francês René Descartes (1596-1650), e essa escolha é irônica. Cartesius não consegue ser cartesiano nos quentes trópicos tupiniquins. Cartesius, a exemplo dos personagens de Esperando Godot, de Samuel Beckett, espera algo e, nesse tempo, se faz a obra. O personagem de Leminski delira. E é nesse estado de torpor que o texto flui, como um rio ou sonho, e isso lembra, em alguma medida, Ulisses, a obra máxima de James Joyce.

A narração também é marcada por elementos de música e poesia. O poeta e compositor que Leminski já era quando escreveu Catatau aparece nas linhas do romance e, para conferir, basta fazer um recorte, ao acaso: “O olho cheio sobe no ar, o globo d’água arrebentando, Narciso contempla narciso, no olho mesmo da água. Perdido em sim, só para aí se dirige. Reflete e fica a vastidão”.

Muito mais do que eventualmente “dizer alguma coisa”, e Catatau diz muito, o texto do livro, enquanto linguagem, é algo que merece ser levado em conta. Há muita experimentação. Os jogos de palavras, que iriam se eternizar em breves poemas do autor, sobretudo na década de 1980, pululam em meio à prosa mais do que inventiva: “O osso do ofício no orifício disso”.

Leminski desconstruiu máximas. Ao invés de dizer, como se fosse Descartes, “Penso, logo existo”, Cartesius enuncia outras frases, como essa: “Quando Uganda balanganda, palácios balançam”.

Há trechos incompreensíveis, feitos a partir da fusão de inúmeros idiomas, que apresentam o Leminski poliglota que iria se revelar como futuro tradutor de John Lennon e John Fante. O leitor, em algum momento da longa narrativa, pode ter a impressão de que não está entendendo nada. Isso é intencional. Diz respeito ao propósito da obra. Catatau é jorro de palavras, como a vida é uma sequência contínua de fatos nem sempre explicáveis, e incessantes.

Depois da edição inicial, saiu uma segunda versão, em 1989, pela Sulina. A Travessa dos Editores viabilizou em 2004 uma terceira edição, com estudo crítico, e agora a Iluminuras faz uma quarta publicação para, mais uma vez, disponibilizar a obra que estava esgotada.

Observando o contexto atual, não é exagero afirmar que Catatau dialoga com a internet e a ideia dos hiperlinks. Afinal, cada linha e página do livro remetem a inúmeras referências, da mitologia grega à sabedoria de botequim. O leitor também pode, por exemplo, abrir e ler apenas uma página e, no dia seguinte, retomar a leitura em qualquer outro trecho. A não linearidade, uma marca de 2010, já se fazia presente no livro publicado há 35 anos.

Com Catatau, Leminski deixou uma pedra no caminho dos estudos literários. Os professores e estudiosos ficaram com um mistério diante de si. O que dizer de Catatau? Ao mesmo tempo, o livro pode proporcionar prazer aos que ousarem se embrenhar pelas páginas que exigem, e, muito, a participação ativa do leitor.

Serviço: Catatau, de Paulo Leminski. Iluminuras, 256 págs.,
R$ 44,00|31/10/2010|

Marcio Renato dos Santos (Gazeta do Povo)

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Ova-se!

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Gibicon 1 – Convenção Internacional de Quadrinhos de Curitiba

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Uma ambição desmedida em pauta

Uma enxurrada de adjetivos: só assim seria possível definir o novo espetáculo de Felipe Hirsch e da Sutil Companhia de Teatro. O primeiro deve apontar o desejo absoluto de contemporaneidade, quer dizer, uma vontade cristalina de comentar o nosso tempo. Há uma ambição desmedida em pauta — o diretor deseja focalizar a fragilidade da vida humana, a inexorabilidade da morte, pôr em suspenso a nossa época, criticar o projeto ocidental e toda a ordem civilizada. Para tanto, usou o livro de estreia de Sam Lipsyte, “Subject Steve” (“O paciente Estevão”), ao qual mesclou incontáveis referências pessoais, piadas isoladas, anedotas de geração, sob tom juvenil. O resultado é frágil para o objetivo proposto, o homem em cena é menor do que o cidadão do nosso tempo e não chega perto do tom patético de um Woyzeck, para lembrar um grande modelo teatral histórico.

O texto da peça é híbrido, recorre a uma multiplicidade de procedimentos. A dramaturgia fraturada mistura narração, relato e contracena. A partir de um homem diagnosticado como terminal, uma metralhadora giratória de palavras pretende mostrar e ironizar o vazio humano, os caminhos de uma classe média e de uma burguesia consumistas, ávidas por prazeres, impregnadas de tédio, carentes de inteligência. Há uma insistência — por vezes muito infantil — em pornografia, escatologia, aberrações, drogas e rupturas da lógica dos fatos.

A conclusão é fácil de imaginar — na direção, Felipe Hirsch não conseguiu domar a amplidão do texto. O espetáculo é pródigo em blecautes, longo, cansativo, repetitivo. Em diversas sequências, o peso das palavras é de tal ordem que se poderia falar de teatro-rádio, para ver de olhos fechados. A solução de várias cenas acontece graças a atos de violência ou pancadaria, quiproquó, como na velha tradição cômica popularesca; ao lado deste truque antigo, o recurso às gargalhadas gravadas lembra os gastos programas de humor de televisão, gera a incômoda sensação de uma zorra teatral.

Cena com muita informação

A ambição também persegue o desenho da cena: a cenografia de Daniela Thomas esboçou um set de filmagem sobrecarregado de informação. A impressão é que se pretendia ironizar a ideia do mundo como representação e espetáculo, mas a cena suja, apinhada de objetos, anula tanto o esforço de contar a saga de um anti-herói como o de indicar o absurdo do existente ao redor. Não existe espaço para a performance límpida dos atores, não há um desenho estético da cena.

Resta a chance de fruir o jogo dos atores, engajados com devoção no projeto, envoltos nas belas soluções da iluminação (Beto Bruel) e em figurinos bem resolvidos (Cássio Brasil). Leonardo Medeiros impressiona ao defender com naturalidade uma figura de almanaque com frequência à beira do terror. Guilherme Weber oferece composições hilárias, sempre calcadas em soluções físicas, mecânicas. Marcio Vitor resolve diferentes papéis de forma hierática. Georgete Fadel aposta na caracterização de efeito cômico imediato. Maureen Miranda, Isabel Teixeira, Danilo Grangheia e Pero Inoue completam o elenco com desempenhos corretos.

Diante de um projeto de tal envergadura, marcado por qualidades profissionais indiscutíveis, sério e detalhista, precioso mesmo, é triste reconhecer que o adjetivo final para defini-lo passa ao largo de sua intenção: sintoniza com o tédio. Enfim, uma decepção.

Tânia Brandão|O Globo

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Felipe Hirsch

Tenho um certo carinho pela vice crítica de teatro do Jornal O Globo, a Sra. Tânia Brandão. Ela me fez escapar da tal unânimidade burra quando escreveu a única crítica negativa que tivemos do espetáculo Não Sobre o Amor. Pois bem, se faltava algum motivo pra você assistir a nova peça da Sutil, não falta mais. Ela “falou mal do espetáculo”. A peça não atingiu as estrelinhas nos requisitos básicos de sua cartilha.

Que falta de informação! Mas a Sra. poderia superar a falta de informação com inteligência. Que falta de inteligência! Mas a Sra. poderia superar a falta de inteligência com imaginação. Que falta de imaginação! Mas a Sra. poderia superar a falta de imaginação com sensibilidade. Que falta de sensibilidade!

É, a Sra. deveria se dedicar um pouco mais. É curiosamente agressivo ler a palavra “infantil”, escrita por alguém que balbucia, tateia, mas não sabe o que falar. Fica chato sentar na platéia e tentar julgar, sem nenhuma dessas qualidades acima, um trabalho que desenvolvemos ao longo de 8 anos. Cá entre nós, sem entrelinhas, nós sabemos que a Sra. não entendeu nada, não é? Então, da próxima vez, pense antes de tentar emitir uma opinião em um jornal, sobre um trabalho sério. A Sra. tem razão, é precioso sim. Portanto, com esse nível, fique longe dele.

Olha, só pra ajudar, caso a Sra. queira assistir de novo, não mesclei sequer uma referência pessoal, anetoda, ou seja lá o que for ao texto de Sam Lipsyte. Usamos o livro quase integralmente. Ele foi escrito por um autor, diversas vezes indicado ao Prêmio Pulitzer, professor de literatura da Columbia University (já que a Sra. dá aula na Unirio e respeita tanto isso), especialista em literatura independente, marginal e do leste europeu.

Outra coisa: todas as cenas pornográficas, escatológicas, as que envolvem violência, aberrações, drogas, que tanto incomodaram a Sra., não são soluções pra nada, estão contidas no livro original e na idéia. Cada ato, cada minúsculo item desse espetáculo foi mais pensado do que a Sra. pode sequer sonhar.

Portanto, a dica mais importante, caso a Sra. queira tentar de novo: As tais “rupturas lógicas dos fatos” e o “recurso das gargalhadas gravadas” são um indício de que a Sra. pode estar assistindo algo bem além de sua informação, inteligência, imaginação e sensibilidade. Cuidado aqui. Não aceite escrever no jornal da próxima vez. A Sra. estará ajudando o mundo (e o teatro) a se nivelar por baixo de sua mediocridade.

Uma última coisa: É claro que o “peso do tempo e das palavras”, nós o escolhemos. Ficou muito pesado pra Sra.? É uma pena.

Felipe Hirsch

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Mural da História

11 de fevereiro, 2009

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Ugh!

Soruda (pataxó) e Patricia Basquiat (waurá), Teresina, 2010. Foto de Vera Solda

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Flagrantes da vida real

Macaquinhos no sótão. Foto de Newton Maringas Maciel (14|12|2010)

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Playboy – Anos 50

1958|Judy Lee Tomerlin. Foto sem crédito

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Let’s play that!

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Geometria curitibana

Foto de Orlando Pedroso

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Rettamorfose, sempre!

Todos os dias, Luiz Carlos Ajalla Retamozzo, Retta Rettamozo, acorda transformado na nossa “Antena da Raça”. Gênio! Foto de Kito Pereira.

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Tempo

Vera Solda, Lina Faria, Iara Teixeira, Soruda e Tito. Foto de Dóris Teixeira

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Veja-se!

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Elas

Jane Birkin. Time|Life

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