Sexta-feira, 21:30, você está disposto. O carnaval começa com Duck Soup dos irmãos Marx. A guerra, pelo amor de uma viúva milionária, entre a Freedonia e a Sylvania, pequenos países afundados em dívidas. Woody Allen já disse que este filme é uma de suas motivações para continuar vivo. Uma coisa leva a outra e, sábado 00:15, você está assistindo mais uma vez a história de Annie Hall e Alvy Singer. O momento em que eles chegam à conclusão de que são fundamentalmente diferentes um do outro e decidem se separar. Annie vai para a California, mas Alvy a segue. Ele observa que a cidade não tem lixo nas ruas como (no primeiro plano de) Manhattan e conclui que é porque ele deve ser todo usado no cinema. Dolorosamente, os dois se reencontram, mais tarde, cada um com seu novo amor. O filme termina numa esquina vazia. Sábado, 03:10, você lembra que adora filmes baseados em “romances de formação”, Bildungsroman, como os chamam os alemães que escreveram vários clássicos do gênero. Zéro de Conduite: Jeunes Diables Au Collège, filme de 1933 de Jean Vigo é um exemplar francês destes. Sábado 05:45, os primeiros raios do sol entram pelas persianas enquanto você assiste Let`s Get Lost, documentário de 88 sobre a vida de Chet Baker, realizado por Bruce Weber. Imagens de 1950, do jovem Chet Baker (meio Kerouac) tocando com Charlie Parker, e outras imagens do incrível músico junkie, nos anos 80, caminhando por uma praia deserta. Você adormece ouvindo Blame It On My Youth. Sábado 17:00, você havia separado, numa pilha de filmes, Viaggio In Italia de Rossellini, 1954.
Um road-movie sobre um casal inglês em crise, Catarina e Alexandre Joyce, interpretados por Ingrid Bergman e George Sanders. Você nunca esqueceu a cena do Vesúvio e de Pompéia. O segundo filme da pilha de sábado começa 20:20, e você o conheceu numa sessão,apresentada por Scorsese, num pequeno cinema da América do Norte. É um filme mudo de 1928, é de King Vidor, e ele se chama The Crowd. Conta a história de João e Maria, tentando sobreviver às suas ambições numa metrópole como Nova Iorque. É uma tragédia desoladora e sem final feliz. Lançado durante a Depressão, foi um grande fracasso que se transformou, com o tempo, no clássico. Chegou no vértice do nascimento dos filmes sonoros, numa era de audiências traumatizadas com as questões sociais do país, clamando por um entretenimento escapista. The Crowd tem planos citados em Playtime de Tati, Tokyo No Kôrasu de Ozu e, The Apartment de Billy Wilder. Este último começa às 22:50 do sábado. Um dos seus preferidos. Você pensa: será que existe alguém no mundo capaz de escrever um roteiro desses hoje em dia? O filme é de 1960 e Jack Lemmon nunca foi tão genial e Shirley MacLaine e o apartamento no Upper West Side, tudo naquele filme te deixa tão feliz e melancólico. Uma história de amor por uma ascensorista!
Domingo 01:05, Brief Encounter do gênio Noel Coward. A trilha de Rachmaninoff enche seu quarto. Um filme de memória numa estação de trem. Nada mau. Às 04:48 você se dedicará a Sanma No Aji, a tarde de outono colorida, do último filme de Ozu. Sua última radical elipse de tempo. Você adormece com a “Tativille” de Playtime, 06:30. Sim, você já pode assistir a esse filme com os olhos fechados. Suas imagens, seus sons, a poltrona, o neon, os sapatos. Quando você acordar é hora da primeira trilogia de Bergman. 14:00, você reencontra o preto e o branco mais lindos que você já viu numa tela, em Såsom i en Spegel de 1961, a primeira parte, de câmara como uma peça de Strindberg, filmada em Fårö. O título se refere à nossa vida “Através do Espelho Escuro”, e é uma passagem Bíblica sobre como nossa visão e compreensão de Deus só se tornará mais clara quando morrermos. Agora é a Sarabanda da Suíte nº 2 de Bach que você ouve. O filme termina com um helicóptero confundido com um Deus – aranha e deve ser uma citação da personagem Svidrigáilov de Dostoiévski: “Mas e se houverem apenas aranhas por lá, ou algo assim?”. Você já não está tão bem. Fim de tarde, 18:22, você insiste na segunda parte da trilogia: Nattvarddsgästerna, Os Comunicantes. A neve que reflete a luz de inverno ilumina a cena e seu quarto. Antes de partir para terceira parte, você desiste. Na televisão, monstros tiram e colocam suas cabeças no lugar.
Nos últimos 5 minutos do domingo, você escolhe Stalker, um dos filmes de ficção científica de Tarkovski. O filme é de 1979, e conta a história da expedição liderada por um guia para levar seus dois “clientes” (um escritor e um professor) para um lugar chamado “A Zona” que, supostamente, possui perigos (não realizados) e a capacidade de satisfazer os desejos mais íntimos de uma pessoa. Um Stalker é um perseguidor, alguém que atravessa a fronteira do lugar proibido. A questão é que os nossos mais profundos desejos não são claros, nem para nós; e quanto mais nos aproximamos deles, mais nos afastamos, ou eles parecem se afastar. Os laboratórios soviéticos, incapazes e não autorizados a trabalhar com a tecnologia Kodak, destruíram toda a primeira versão do filme. Tarkovski o filmou todo de novo. A fotografia em alto contraste, bronze e branca, é um milagre do acaso do uso de um material sensível de baixa qualidade. Grande parte do filme foi feito perto de uma usina hidroelétrica, de uma velha fábrica de produtos químicos e de um rio envenenado, em Tallinn na Estônia. Muitas pessoas envolvidas no filme morreram precocimente devido às toxinas das locações. Inclusive Andrei Tarkovski, com tumor nos brônquios. Segunda-feira 02:40. Lá fora, você ouve um bloco de pessoas, aparentemente felizes, cruzando a sua rua. Você ainda tem dois dias até a quarta-feira de cinzas. Continua.
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