O impacto da nicotina (em frações de segundos) no cérebro é a mais temível e prazerosa compensação que um ser humano pode receber a curtíssimo prazo e quando decidir. Fumar é um ato socializado ou solitário, o cigarro está sempre ali, ao alcance dos dedos, na alegria e na dor, no tédio ou na aflição. Não-fumante não compreende isso porque nunca experimentou. Mas não dá para desconfiar por que milhões de pessoas consomem um troço tão danoso à saúde? Só doido de pedra pagaria um preço tão alto para chupar fumaça e não sentir nada de bom. Em geral, não-fumantes são estranhamente arrogantes quando o assunto é cigarro. Às vezes me parece falta de imaginação.
Após passar muitos anos dando baforadas decidi parar, e parei. Só agora, dois meses depois, é que percebi que foi um ato brutal, heróico, enervante, solitário, sofrido e melancólico. A síndrome de abstinência é um terror. Suei gelado, passei noites em claro, chorei sem razão aparente, tive fantasias de morte e, sem nenhum aviso, um belo dia acordei no frescor de um amanhecer, sentindo o perfume de flor de laranjeira que sempre estivera ali e nunca senti. Senti a fragrância de mil temperinhos que não conhecia, o cheiro de pão quentinho que vinha lá da padaria (também o cheiro de bueiro que não lembrava mais como era), senti uma alegria inédita, como a de um cego que voltasse a enxergar, de alguém que não lembrava mais do cheiro da pele da mulher amada. Não fumar dá mais prazer do que fumar, foi a minha primeira impressão forte.
O que me levou a escrever sobre o assunto, no entanto, teve outra motivação, singela e, quem sabe, de natureza filosófica. Vinha passando na rua e vi um velhinho fumando, parado na esquina, provavelmente para fugir da vigilância da família. Noutro dia vi um homem destruído pela pobreza, com as marcas do envelhecimento precoce estampadas na face, ele, pobrezinho, sem eira nem beira, sem planos, nem sonhos, fumava seu cigarrinho alegremente. Tanto o velhinho como o farrapo humano estavam apegados ao último ato de prazer e compensação que restou em suas vidas: fumar. Vão morrer disso? Sim, pois não. Mas, e se tirarem o cigarro deles? Hein? Não ouvi: é melhor? Provavelmente o velhinho iria contemplar a grama crescer e logo morreria de tédio e tristeza. E o homem esfarrapado? Sem nada nem ninguém e agora sem fumar, que tal? Só quem foi fumante sabe que é melhor que os dois fumem até morrer, e vão morrer, é claro. E você, não? Até onde aprendi, da vida ninguém sai vivo.
Paulo Tiaraju (28/4/2009)