Num filme de John Schlesinger, Billy Liar (1963), o protagonista vai entrando em casa e sua avó, ao ouvir o ruído da porta, ergue a voz: “Se for Billy que está chegando, seu almoço está no fogão”. O rapaz retruca, também alto: “E se não fosse Billy, onde estaria o almoço?”.
É uma crítica dele à linguagem da avó, que parece sugerir uma inferência lógica do tipo “se x é verdade, então y é verdade”, mas trata de dois fatos independentes. O que a avó está querendo dizer é algo como “se for Billy que está chegando, saiba que, etc etc.”
O cantador Geraldo Amâncio conta em suas palestras e cantorias uma história acontecida com Biu Doido, uma figura folclórica de São José do Egito, no Pajeú pernambucano. Alguém perguntou: “Biu, você sabe me dizer se Seu Fulano está em casa?”, e Biu respondeu: “Saber eu sei, só não sei se ele está”.
Biu Doido também fez uma crítica à linguagem do outro. Quando a gente escolhe uma maneira indireta de se exprimir, parece que está fazendo uma pergunta diferente da que de fato queria fazer. O outro pode retrucar que o “sabe me dizer” não é para ser respondido. É uma “pergunta retórica”, uma maneira mais cortês, menos brusca, de fazer a pergunta direta: “Biu, Seu Fulano está em casa?” Mas Biu, levando esse apêndice meramente suavizador ao pé da letra, mostra que metade da pergunta é supérflua.
Isso que Billy Liar e Biu Doido fazem é uma distorção crítico-cômica do discurso cotidiano. Não é para ser levada muito a sério, porque a fala faz parte de uma longa lista de produtos humanos que a todo instante desobedecem à lógica. Quando temos filhos pequenos, às vezes é difícil convencê-los de que a língua conjuga os verbos de uma maneira que eles acham errada, mas o jeito é dizer que é assim mesmo, não cabe a nós mudar. “Você sabe e eu também sabo”, diz o moleque, diz a pirralha, a gente conserta: “Não, se diz eu sei.” E vem a verruma na mente: “Por que?”.
Por isso, talvez, por este excesso de atenção que algumas mentes inquietas têm para com a lógica do que se diz, mesmo na mais banal das situações. São pessoas que nos ouvem dizer algo formalmente (retoricamente) contraditório, com lacunas, sei lá o que, e nos dão na maior cara de pau uma resposta absurda.
O sujeito está saindo de um hotel de Lisboa, assina o último papel na recepção, aponta para a rua através das grandes vidraças e pergunta: “Aquele ônibus ali passa no aeroporto?”. O recepcionista responde: “Não. Passa em frente”.
Qualquer um de nós tem dezenas de exemplos dos nossos irmãos lusitanos, essa lógica implacável que os faz considerar cada fala nossa como um silogismo filosófico, cuja lógica tem que ser de ferro.
O turista em Lisboa se interessa por um livro mas está sem dinheiro ou cartão, e pergunta ao livreiro: “O senhor fecha no sábado?”, e este diz: “Não.” Ele volta lá no sábado, e encontra a loja fechada. Ao se queixar na segunda-feira, o lojista diz: “Ó pá, eu fecho na sexta. No sábado eu nem abro, como posso fechar?”
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