Tomi Ungerer

© Tomi Ungerer, Drawing from The Party

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Matsuo Bashô (1644-1694)

Olha o velho lago –
Após o salto da rã
O barulho da água.

Trata-se do haicai mais famoso de todos os tempos, o que não quer dizer que seja o melhor haicai do mestre. Hoje, aceita-se que foi apenas o poema que inaugurou a escola de Bashô, denominada Shôfû. Conta-se que ele estava reunido com os discípulos, quando apresentou os versos “kawazu tobikomu/ mizu no oto” (barulho da água após o salto da rã), propondo que alguém os completasse.

Como numa paródia, que distorce valores estabelecidos para gerar humor, a novidade de Bashô era que a rã não se fazia representar pelo seu canto, como na poesia tradicional, mas apenas indiretamente, pelo ruído de sua entrada na água. Kikaku propôs que o primeiro verso tivesse a palavra “yamabuki” (rosa japonesa, Kerria japonica), para formar uma combinação tradicional com a rã.

Mas Bashô, para assombro dos presentes, replicou com “furu ike” (velho lago), originando, assim, um foco de tensão entre a tranquila solidão do velho lago e o salto inesperado da rã que perturba o ambiente com seu barulho. O kigo (termo de estação) é kawazu, rã, correspondente à primavera.

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Mural da História – 1972

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Diga-me o que ostentas e te direi quem és

Gostemos ou não, ostentar é humano e nada mais previsível do que a exibição da matéria

Que atire o primeiro diamante ou pedra quem nunca ostentou alguma coisa, mesmo que seja o sorriso invejável de quem não sente necessidade de ostentar nada. Gostemos ou não, ostentar é humano e, numa sociedade pautada por conquistas materiais, nada mais previsível do que a exibição da matéria, tanto que quando pensamos nesse assunto logo vem à cabeça pessoas exibindo bolsas, roupas e acessórios de marca.

Há quem prefira ostentar o que se conquista com o esforço físico, como os bíceps que rasgam as camisas ou as bundas petulantes de tão duras. O misantropo vai dizer que não ostenta nada, mas seu jeitão taciturno e seus possíveis andrajos não deixam de ostentar o seu desprezo pelo mundo. E olha eu aqui, escrevendo de moletom barato e bunda caída, mas me exibindo também: acabo de ser flagrada usando a palavra “andrajo”, numa manobra de vocabulário-ostentação.

Vá a uma festinha de escritores, como as tantas que eu frequento: você não vai ver uma única logomarca mas diversos pavões exibindo a cauda da erudição. E mesmo um monge que acompanho, já tão liberto das armadilhas do ego, por vezes exibe uma expressão que não esconde a vaidade por sua própria libertação.

Se eu ostento, tu ostentas e elas e eles ostentam, qual o problema em conjugar esse verbo, além do desnude da nossa latente insegurança? O problema é o objeto. O que uma pessoa exibe diz muito sobre ela e o que uma sociedade costuma exibir diz muito sobre a sua época. A julgar por nossos penduricalhos, estamos feios na fotogenia.

Ainda há quem pise no acelerador do seu carrão a gasolina ou a diesel com o cotovelo para fora da janela, ostentando cilindradas e emitindo carbono como se não houvesse amanhã — e, nesse ritmo, talvez não haja mesmo. Ainda há quem se vanglorie de ter uma bolsa de dez salários mínimos ou um closet do tamanho de um apartamento.

Nossos ícones de consumo envelheceram mal, desconectados da realidade de um planeta em crise. Mas o pior mesmo é ostentar a falta de tempo. Quantas vezes você ouviu: não vou poder ir porque estou cheio de trabalho. Não posso falar agora porque estou na correria. Não consigo nem ler todas as mensagens. Por trás do lamento, muitas vezes é possível entrever o orgulho de ser requisitado, disputado, convocado a dar um pouco mais de si.

O nosso sistema econômico engendrou tão bem esse esquema exploratório que o sujeito se sente honrado em se desdobrar e depois ostentar a sua estafa como se fosse um relógio de ouro. E temos até um nome para o modelo mais requintado dessa joia: burnout. Só no ano passado tive dois, ouvi alguém dizer esses dias, explicitando sem perceber a face pobre da sua moeda.

O maior problema de bazofiar a falta de tempo e exibi-la como vantagem é que caímos numa armadilha. Ao aderir acriticamente a essa carência, deixamos de percebê-la e combatê-la. Sem falar que é preciso tempo — leia-se ócio e contemplação — para criar saídas para a própria falta de tempo. Ostentando uma frase de Walter Benjamin, o tédio profundo é “um pássaro onírico que choca o ovo da experiência.”

Se ostentar é humano e muitas vezes incontornável ou irresistível, que ao menos seja sob uma nova ética e estética, abrindo a cauda de pavão sem derrubar as outras espécies e valorizando o tempo em si, e não o brilho ilusório de certos ponteiros.

Publicado em Giovana Madalosso - Folha de São Paulo | Deixar um comentário
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S.O.S. MacGuffin – Lutar com palavras é a luta mais sã

O filme “Um homem sério”, dos irmãos Coen, tem uma introdução que, acho eu, é o mais longo MacGuffin do cinema. Você não está entendendo nada, mas não se preocupe. Só fui entender depois que tomei conhecimento da palavra — nome próprio — MacGuffin. Que, apesar disso, é um nome fictício criado por Alfred Hitchcock. 

A introdução mais longa, segundo os próprios autores/diretores, não tem nada a ver com o filme Um homem sério. Logo, é um MacGuffin. Hitchcock criou esse artifício pra designar uma cena com algum elemento que, embora contribua pro desenvolvimento geral, não tem explicação.  Se você assistiu ao filme, vai lembrar que a introdução é toda em cor sépia e ilustra uma lenda dos judeus. Não vou descrever, mas ela aparece antes dos créditos e deve durar uns cinco minutos. Aí, começa o filme propriamente — colorido.

Tive mais contato com o termo lendo um livro seminal sobre cinema e literatura. O autor examina detalhadamente o roteiro de Pulp fiction e acha um MacGuffin. Vincent olha hipnotizado pra dentro de uma mala e o diretor Tarantino não se dá ao trabalho de explicar ou mostrar o que é. Simboliza alguma coisa importante pros personagens e fim de papo.

Não sei há quanto tempo Hitchcock havia inventado isso. Sei que uma vez, lá pelos anos 70, criei um desses artifícios e não tinha onde colocar. Numa mesa de boteco, contei pro Oraci Gemba, que era autor e diretor de teatro em Curitiba. Papo de bêbado não tem dono. Aí, ele usou numa das peças dele! Sem pedir nem nada. Fui assistir ali no Guairinha e, numa certa altura, o personagem falava de um livro que tinha na mão dizendo que ele o havia ajudado muito. Que devia muito àquele livro e coisa e tal. Só que não mostrou que livro era nem nada. Era importante só pra ele. Fiquei meio indignado com isso, mas não tinha nem amizade com o autor/diretor. Era tempo de papo de boteco com jornalistas, publicitários, escritores, autores e diretores de teatro e muita gente que apenas tinha sonhos de grandeza.

Foi assim que nasceu um livro meu que ainda está no limbo — Ideia não tem ombro. Nele, conto diversas passagens com ideias que escapam do autor e acabam caindo em ouvidos de espertinhos. O grande mentor foi David Ogilvy, publicitário norte-americano, que tinha o lema mais importante da propaganda: Nunca dê ideia pro cliente quando ele estiver passando o briefing. Ideia custa caro. Por maior que seja o ímpeto de agradar — cale-se. Trave a língua. Mesmo que tenha um insight daqueles geniais — engula o ego. Leve pra agência, destrinche o job e… VENDA. A ideia que você dá na hora — mesmo a mais genial — não vale nada. O cliente pode muito bem dizer que já tinha pensado e-xa-ta-men-te naquilo e que ia mesmo usar. Aí, lá se vai o faturamento da agência.

Voltando ao MacGuffin — tente achar um nos filmes. Pode valer pelo exercício de entrever o mestre Hitchcock nos seus próprios filmes. Quanto ao livro seminal sobre cinema e literatura — seria aqui um MacGuffin?

*Rui Werneck de Capistrano é um MacGuffin

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Fraga

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Sou Legal

 

Blindagem

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Tempo – 1970

Rua São Francisco, nº 50, em frente à Confeitaria Blumenau, a casa de tia Tessália, quartel-general do Teatro Margem, na década de 1970. Entrando na comunidade, pela imensa porta, o cartunista que vos digita, Regina Bastos, Vera Prado, Manoel Carlos Karam e Roxane Leão.  Foto de Beto Bruel.

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Alhures do Sul

absolout-gato-barbieriGato Barbieri, Leandro José Barbieri – Rosário, 1932 – Nova York, 2016, saxofonista tenor de jazz, argentino. © Clarín

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Abigail.© IShotMyself

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Ruim para o MST

Não é otimista a previsão que parlamentares de esquerda deram a integrantes do MST sobre a CPI que investiga o movimento. Admitem que a desvantagem numérica na comissão vai resultar em uma devassa contra as ações dos sem-terra.

Um tática tem sido tentar postergar as diligências que os deputados que compõem a comissão pedem. A bancada de esquerda não tem votos suficientes – e nem força – para negociar quais visitas devem ser priorizadas. Há o temor de que a CPI seja estendida por mais 120 dias, totalizando oito meses de desgaste para o movimento.

Os deputados e o MST dizem que elegeram o relator da comissão, Ricardo Salles (PL-SP), como o inimigo número 1. Afirmam que há diálogo até com o presidente do colegiado, Coronel Zucco (Republicanos-RS), mas não com o ex-ministro do Meio Ambiente – que queria fazer da CPI um palco para alavancar a sua candidatura à prefeitura de São Paulo.

Em desvantagem, o movimento cobrou do governo uma atuação maior junto ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) – que, como mostrou o Bastidor, também tem exercido a sua influência na CPI.

O argumento é que as investigações não devem parar no movimento e podem chegar ao governo federal. Por enquanto, o Palácio do Planalto não interferiu.

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