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Casamento com sexo
Acalmados os ânimos, Rose Miriam pediu para responder: “quando dava vontade”. O advogado, vendo os honorários escaparem de suas mãos, insistiu: “quantas vezes por semana e por mês”. Nessa hora cabia perguntar ao advogado quantas vezes ele transa com sua mulher, se ainda o faz, ou se ambos ainda têm vontade.
Na hora me veio a aula de Direito Romano, a frase do jurista Ulpiano: “nuptiae non enim concubito sed consensu facit“. O casamento está na decisão de conviver, não no tesão pelo cônjuge, poderíamos traduzir hoje. Aliás, no fim do Império, os maridos transavam com homens e esqueciam suas mulheres – como se disse do falecido Gugu.
Esse advogado não estudou em boa faculdade de Direito. Sabe nada. Tanto sexo no casamento faz mal à saúde.
Publicado em Rogério Distéfano - O Insulto Diário
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A volta do parafuso
Esta noveleta de Henry James (1898) é um clássico da literatura de terror, e teve uma ótima adaptação para o cinema (“Os Inocentes”, Jack Clayton, 1961 – aqui, uma boa e informativa crítica de Colm Tóibín: http://bit.ly/SXIoxz). É a história de uma governanta que vai cuidar de um casal de crianças (10 e 8 anos) numa mansão assombrada pelos fantasmas de um casal de criados que, quando vivos, estavam fazendo tudo para perverter o garoto e a garota. A governanta vê os fantasmas; as crianças parecem não vê-los, e tudo conduz a um desfecho trágico.
Já correu um Açude Velho de tinta a respeito desse livro, que é um dos grandes exemplos do que a gente chama “o fantástico todoroviano”. A teoria de Tzvetan Todorov é de que uma história legitimamente fantástica é aquela que permite o tempo inteiro duas leituras: uma leitura sobrenatural (os fantasmas existem de fato) e uma leitura realista (tudo não passa de um delírio provocado pela sexualidade reprimida da governanta). As duas leituras estão entrelaçadas, e qualquer pessoa que queira defender uma delas encontrará numerosas pistas ao longo do texto.
Um aspecto que se discute menos sobre esta pequena grande história é que James foi um dos primeiros e melhores formuladores da teoria que hoje chamamos “Não Mostrar o Monstro”. Quando queremos assustar o leitor, é melhor a abordagem indireta, que sugere mas não afirma, implica mas não descreve, deixa tudo à imaginação do próprio leitor. Amigo de Robert Louis Stevenson, James talvez tivesse em mente, ao escrever, o clássico “Dr. Jekyll e Mr. Hyde” que o amigo publicara em 1886, e onde a natureza exata das perversidades de Mr. Hyde não fica bem clara.
Diz James, no prefácio à edição de Nova York de “A Volta do Parafuso”: “Já vimos, em ficção, uma forma magnífica de malfeito ou, melhor ainda, de mau comportamento, atribuída, vemo-la prometida e anunciada como se fosse pelo bafo quente do Abismo – e então, lamentavelmente, reduzida ao âmbito de alguma brutalidade específica, uma imoralidade específica, uma infâmia específica retratada. (…) [Para evitar isto,] basta tornar bastante intensa a visão geral que o leitor tem do mal, calculei – e essa já é uma tarefa charmosa – e sua própria experiência, sua própria imaginação, sua própria compaixão (pelas crianças) e horror (dos falsos amigos delas) lhe fornecerão, de forma satisfatória, todos os pormenores.
Faça-o pensar no mal, faça-o pensar por si, e você estará livre das frágeis especificidades”. O que é induzido e sugerido se multiplica em um milhão de fantasias de horror nas mentes de um milhão de leitores. E cada horror será personalizado.
Agora é que são elas…
6 Capítulo 17/Página 81
O mordomo irrompeu e anunciou:
— O corpo está sendo velado na capela. E os senhores e senhoras presentes podem se servir a partir de agora.
A voz de Norma ainda ecoava naquele salão, quando todos largaram os copos, se levantaram e, com velocidades variadas, se encaminharam para os fundos da casa.
— Coitada, sofreu tanto, um comentava.
— Para morrer, basta estar vivo, arriscou uma damamais filosófica.
— Quem diria? Tão moça e tão cheia de vida.
— Descansou, afinal.
— Pelo menos, não sofreu.
— Cantava tão bem.
— Quando chega a hora, minha filha.
— A vida é assim, quando chega na metade, já estamos no fim.
E lá fomos nós atrás do cadáver de Norma, na capela toda iluminada e florida. Tantos gerânios! Ela era louca por gerânios.
Trabalhávamos na Exclam Propaganda, Curitiba, Polaco e eu. Ele estava escrevendo o seu primeiro romance, entusiasmado. Nunca mostrou nenhum esboço, nada. Um dia, chegou de manhã e disse:
— Soldinha, fiz uma homenagem pra você no meu livro. E nada mais falou. Eu também não falei nada, apenas dei uma risada, escancarada, mais faceiro que mosca em tampa de xarope. Leminski foi quem me ensinou a abraçar as pessoas. Quando nos conhecemos, ele disse, depois de um abraço, meio acanhado que eu dei nele:
— Não é assim que se abraça os amigos, Soldinha. Venha cá. E me deu um abraço de quebrar as costelas, olhando nos meus olhos.
A homenagem, só vi depois, no livro impresso, da Brasiliense. Um haicai meu, sem nenhuma menção ao cartunista que vos digita. Amigo é pra essas coisas. Ou não?
a vida passa assim
na metade
já estamos no fim
(1978)
(livro “69” – com Antonio Thadeu Wojciechowski – 1980, Editora Beija-Flor)
Imperdível!
Liberdade ainda que prisioneira
O mundo, mesmo, permanece meio que no escuro, no caos dos homens-bombas e dos atentados terroristas em geral. Nem sei por que conto isso. Talvez porque pouca gente consiga transpor a Porta de Jade, penetrando no Jardim das Delícias e conquistando os segredos da vida perene e satisfatória.
Não sabia como continuar o parágrafo anterior e parei. Acho que estava enveredando por caminhos difusos e comprometedores. Ou talvez apenas um pouco íngremes e cheios de musgos. Agora, respiro um pouco e tento engrenar.
Seria o amor espera e busca? Busca e espera? Um delivery sem mapa definido para a área de entrega? Um pedido de carinho que se pode fazer às quatro da manhã invernal, quando o ar treme de frio e solidão, com entrega prazerosa e imediata? Ou você pede a Estátua da Liberdade com batatas fritas e um refri? E dorme em meio a sonhos tumultuados de aviões que não levantam voo porque são feitos de madeira aglomerada que de desfaz em serragem quando tocada?
E a estátua chega de manhã, coberta de glórias passadas, com o fogo do facho apagado e murchos os lauréis que enfeitam a cabeça. “O amor é a estopa da natureza bordada pela imaginação”. Adicione um pouco de querosene e breu à estopa devidamente dobrada, prenda cuidadosamente na boca do balão, acenda e cante… noite de junho, céu estrelado, balão subindo, clareando a escuridão…
*Eu sou assim mesmo, não adianta.
Publicado em rui werneck de capistrano
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Linha Retta
Sem kama-sutra, a cama surta
Suposição – Filósofos penetram a alma um do outro com excitantes hipóteses, até gozarem de tédio.
Pressuposição – Assexuados se unem fazendo de conta que uns são ativos e outros, passivos.
Deposição – Conspiradores, inimigos de qualquer regime, derrubam e montam no Poder, se revezando no ato.
Indisposição – Hipocondríacos enfiam seus rígidos queixumes nos seus lubrificados tímpanos.
Composição – Professores primários se curvam diante de seus baixos proventos enquanto a realidade os possui por cima.
Reposição – Funcionários públicos pedem ao Governo que faça o que quiser com eles mas o Poder faz só um pequeno percentual do que desejam.
Imposição – Patrões sobem em empregados sem vínculo empregatício, que abrem as pernas diante de expedientes avantajados.
Disposição – Otimistas e pessimistas enrabam a Esperança, num ménage à trois sado-masoquista…
Preposição – Gramáticos e linguistas praticam sexo oral, mantendo a língua ereta durante a pronúncia de frases impronunciáveis
Justaposição – Contorcionistas se encaixam e assim ficam, coladinhos, enquanto aguardam por deliciosos espasmos musculares.
Contraposição – Adversários e antagonistas discutem qual o melhor lado da cama, enquanto a noite passa.