A AIA – Associação dos Introvertidos Anônimos — abriu às nove horas da manhã para a sessão inaugural. Entrou o primeiro introvertido anônimo e sentou bem no fundo da sala. Cabeça baixa, mínimos movimentos. Entrou outro e sentou mais distante possível do que já estava lá. Quieto, recolhido em si. Entrou uma introvertida anônima e procurou outro lugar equidistante dos dois primeiros. Muda, estátua. E, assim, sucessivamente, a sala foi se enchendo. Os últimos tiveram que se contentar com os piores lugares, ou seja, ao lado de outros introvertidos anônimos. Um silêncio pesado reinava entre os participantes da sessão inaugural. Não se ouvia um arranhado de limpeza de garganta. Nada. Uma mosca que voasse ali pareceria fazer o barulho de um helicóptero — mas nem mosca voava ali.
Às nove e meia entrou o mediador da sessão. Entrou, sentou à mesa, limpou a garganta e tentou ser amistoso desejando, em voz alta, um bom-dia para todos. Nenhuma resposta. Ele sorriu e abriu o livro que havia trazido. Bem, disse ele, vou ler para vocês um relato sobre motivação e convivência feito por um monge budista do século XIII. Leu com entusiasmo, mas a platéia não reagiu. Ele pareceu aprovar com leve sorriso. Ao fim da leitura, ele disse: — Alguém tem alguma observação sobre o texto, alguma crítica ou sugestão? Silêncio total, cabeças baixas, mãos fechadas e pernas enfiadas debaixo das cadeiras. Ele novamente sorriu. Pôs um vídeo de dez minutos sobre relações humanas e nenhuma reação. Mais um sorriso.
No final da sessão, sem que nada de normal — um suspiro que fosse — acontecesse, ele desejou um bom-dia a todos e preparou a retirada. Os participantes nem se mexeram nas cadeiras. Ele então disse que a sessão estava encerrada e que todos podiam se retirar. E saiu para o corredor. Depois de cinco minutos, saiu o introvertido anônimo que havia entrado por último na sala. O mediador ficou preocupado e pensou: “Esse vai dar mais trabalho, pois precisa — primeiro — aprender a conviver melhor com outros introvertidos anônimos.
*Rui Werneck de Capistrano pertence a DEA – Desassociação dos Escritores Anônimos – e escreve pra burro (não é você, calma!)
Apesar da defesa pública de deputados bolsonaristas por uma anistia aos condenados pelo 8 de janeiro e ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o assunto ainda não foi discutido com quem vai autorizar ou não o andamento de algum dos textos que aguardam tramitação: o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Bolsonaristas miram em 2025 para tratar de anistia.
O assunto voltou à tona com a eleição da deputada Carol de Toni (PL-SC) para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e após o discurso de Bolsonaro em ato na avenida Paulista no dia 25 de fevereiro.
Parlamentares bolsonaristas defensores da medida ainda não discutiram a funda o tema. Por enquanto, a CCJ priorizou a discussão sobre punições mais rígidas para alguns tipos penais, como estelionato.
Com a retirada dos sigilos dos depoimentos de militares à Polícia Federal sobre a tentativa de um golpe, apoiadores do ex-presidente na Câmara vão passar a avaliar já nesta semana “o clima” para uma proposta de anistia. O assunto foi levantado primeiramente por deputados e senadores que consideram muitas das condenações pelo 8 de janeiro exageradas. A possibilidade de incluir Bolsonaro surgiu na Câmara, após o ato de 25 de fevereiro.
Apesar das discussões sugerirem algum imediatismo na aprovação da matéria, ao menos nas manifestações públicas dos bolsonaristas do Congresso, parlamentares que apoiam o ex-presidente admitem em caráter reservado que usarão o tema na eleição para o comando da Câmara e do Senado, em 2025. As chances de sucesso com outros presidentes, principalmente no Senado, são maiores.
A posse do professor René na Secretaria já foi um show. Centenas (põe centenas nisso!) de pessoas compareceram. Depois do discurso, formou-se uma fila imensa para cumprimentos. Durou umas três horas. A imprensa toda estava lá também. Naquela época, os grandes jornais do centro do país tinham sucursais em Curitiba.
Recordo que o repórter da Folha de São Paulo, acompanhado de fotógrafo, me procurou depois do discurso e pediu uma cópia, disse que era ordem direta do editor da Ilustrada. No outro dia, a Folha publicou uns seis parágrafos do discurso com grande destaque. No trecho em que defendia o fim da censura, o professor René citou uma passagem de “Coriolano”, de Shakespeare. Era um tapa de luva: o chefe da censura federal tinha o mesmo nome do personagem do bardo inglês. A Folha deu grande destaque à ironia. Edições depois da publicação dos trechos do discurso, o articulista Newton Rodrigues, que tinha espaço nobre no jornal, dedicou uma coluna inteira ao professor Dotti.
Assim que começou a gestão de René Ariel Dotti à frente da Secretaria de Cultura do Estado, a romaria foi outra. Quase todos os dias, apareciam dois ou três jornalistas. O primeiro foi o Nuevo Baby. Queriam apenas dar um abraço e desejar sucesso ao secretário. A maioria dizia que tinha trabalhado na Última Hora e sido defendida, pro bono, pelo Dotti. O processo da Última Hora marcou o professor para sempre. Dizia que o mais fundamental dos direitos humanos é o da liberdade: “De que vale o sujeito ter educação e um bom salário e não poder ler um livro ou assistir a um filme se os mesmos estão censurados?” Para ele a liberdade de imprensa era sagrada. Era adorado e idolatrado pelos jornalistas que viveram os duros tempos da ditadura militar. Qualquer problema, a hora que fosse, era dar um telefonema para o doutor René (tinham o número do escritório e o da casa dele) e ele ia para o quartel ou a delegacia. Quando dava, tirava o jornalista da repressão na base da conversa com o coronel ou delegado. Quando não dava, e levando uma procuração na pasta, era constituído advogado e ia à luta na Justiça Militar ou na Penal. Livrou todos de situações que poderiam ser terríveis. “Eram tempos pesados, depois do AI-5 acabaram com o habeas corpus. Muitas vezes, eu ficava com as mãos amarradas!” lembrava sempre. Nunca cobrou um tostão de nenhum jornalista. Às vezes, pagava, do próprio bolso, as custas do processo.
Era um homem despido de preconceitos. Quando da montagem da sua equipe de trabalho na Secretaria, trouxe pessoas de todos os credos políticos, ideológicos e religiosos. Um dia, ainda antes da posse, verificando aquela diversidade toda, comentei que havia de tudo, só faltava um muçulmano. O professor rebateu de bate-pronto: “Dois, um sunita e outro xiita”. Lembro que ao mesmo tempo em que levou o professor Danilo Lorusso, congregado mariano e anticomunista até a raiz dos cabelos, trouxe também três do Partidão: Dilma Pereira, Euclides Coelho de Souza (o Dadá do Teatro de Bonecos) e Adair Chevonika (esposa do Dadá). Eu os chamava de “os comunistas do professor René”.
Conhecia profundamente a alma humana. Lembro que uma tarde, final de expediente, estava na sala do secretário René tomando o último cafezinho e fumando um cigarrinho. O professor, ex-fumante, não era chato. Na época era permitido fumar em prédios públicos e ninguém, mesmo que não gostasse do cheiro, reclamava. Dotti nunca me censurou ou pediu para que eu não fumasse na sua frente. Mas naquele dia, de repente, do nada, disse: “Não é que você tenha pavio curto. Você simplesmente não tem pavio”. O Ivens Fontoura e o Sale Wolokita estavam juntos e caíram na risada. Nas horas difíceis, quando eu estava irritado, Sale sempre repetia a frase. O professor, como escrevi na abertura do parágrafo, era um profundo conhecedor da alma humana, por isso se tornou um dos maiores advogados criminalistas do Brasil.
Vivenciei, como todos que com ele trabalharam na Cultura, uma personalidade fascinante, capaz de realizar coisas que, a princípio, seriam irrealizáveis. Apresentado a um bom projeto, René disparava o cérebro e quase que instantaneamente melhorava o mesmo. Sonhava alto. Não media barreiras. Obstáculos existiam para serem transpostos. Já narrei aqui que quando ia à luta, o que fazia frequentemente, lançava um “maktub”. “Já estava escrito”. Estava. “Vai dar certo”. Dava!
René, na sua síndrome de perfeição, cobrava pesado, mas quase sempre com ternura. As vezes, perdia a paciência. Para ele, realizar as coisas com perfeição era algo que deveria ser inato ao ser humano. Não compreendia como alguém tendo escolhido uma profissão, recebendo a contrapartida pecuniária, não apresentasse um trabalho perfeito.Continue lendo →
Ontem, eu e meu filho Alessandro finalizamos a Exposição Beijo de Língua. Última revisão dos painéis. Últimas filmagens. Tudo pronto para a reprodução. Serão 17 painéis de 1,20 m de altura por 0,65 m em madeira dura fabricada com impressão colorida a laser. Além dos poemas, nos painéis haverá um QR code para ver e ouvir Monica Prado Berger interpretando Wislawa Symborska e Emily Dickinson. E Antonio Thadeu Wojciechowski dando voz a Shakespeare, Poe, Maiakovski, Cummings, Yeats, John Donne, Ghandhi, Rimbaud, Baudelaire, Blake, Holderlin.
A Exposição será em abril, na Gibiteca. Logo todos receberão o convite para ver, ouvir e sentir as subversões praticadas por mim neste Beijo de Língua.
No dia 11 do triste fevereiro, sem vacinas para todos, o professor René Ariel Dotti nos deixou, depois de inúmeras batalhas pela democracia, liberdade e cidadania, sendo que, na maioria esmagadora delas, sagrou-se vencedor.
René Dotti jamais escondeu ou esqueceu a sua origem humilde. Ao contrário, sempre a relembrava, muitas vezes com os olhos marejados. Filho de um pintor de paredes e de uma costureira, nascido e criado num “arrabalde” da cidade, como dizia, muitas vezes reconhecia, com incontido orgulho, que sofria da síndrome da perfeição. E arrematava contando que seu pai jamais havia entregue uma parede sem que a pintura estivesse perfeita e que sua mãe nunca havia dado por completa uma costura que também não estivesse inteirada. Relembrava a infância de apertos, dizendo que nunca havia faltado comida em casa. Contava que desde cedo acordava às cinco da manhã, horário em que toda a família já estava de pé na luta pela sobrevivência. O caminho do arrabalde ao Colégio Estadual (onde fez toda a sua formação pré-profissional) era longo. Tinha que acordar de madrugada e caminhar, não havia dinheiro para o ônibus, depois do café da manhã que a mãe lhe preparava. Guardou o costume de acordar às cinco da manhã por todos os seus 86 anos.
Era marcante quando René relembrava o dia em que o pai chegou em casa com um rádio de válvulas, comprado em várias prestações, numa das lojas do centro da cidade. O aparelho era a atração da casa. Contava que acompanhava, com incontida emoção, o “speaker” narrar os gols do seu Coxa Branca. Imaginava as jogadas conforme o locutor ia narrando. Conhecia o Alto da Glória e pela narração sabia exatamente ao lado de qual publicidade pintada na mureta do estádio o ponta esquerda havia cruzado a bola para o “center-forward” saltar mais alto que os “backs” e colocar a bola nos fundos das redes. Não tinha dinheiro para ir ao Estádio Belford Duarte (antigo nome do Couto Pereira) em dia de jogos, mas nas sextas-feiras, antevéspera de clássico (Atlético ou Ferroviário), cabulava as aulas depois do recreio, ao lado de outros colegas do mesmo credo, e iam ao estádio assistir ao “apronto” ou “coletivo”, como diziam os cronistas da época, entre titulares e reservas. Notava que o treinador colocava o “goalkeeper” titular na equipe dos suplentes, os atacantes titulares sempre exigiam mais do goleiro.
Às vezes, entrava em pânico. Os reservas, querendo mostrar serviço, dividiam pesado e um titular acabava lesionado e era baixa para o domingo. Temia que o substituto não desse conta do recado. Mais tarde, quando já ganhava um “dinheirinho”, passou a frequentar o estádio e percebeu que os “speakers” eram muito exagerados nas narrações que faziam. “A bola passava longe e o sujeito gritava que tinha tirado tinta da trave”.
René relembrava que na adolescência pensou em ser médico. Mais tarde, não tendo condições financeiras para pagar um curso preparatório para as pouquíssimas vagas da Faculdade de Medicina da Federal, a única existente, resolveu arriscar o curso de direito, este sim, com 100 vagas. Não tenho dúvidas que, se médico fosse, teria sido um extraordinário cirurgião, salvo milhares de vidas e com seu extraordinário poder de oratória consolaria os familiares daqueles que não pudesse evitar a morte. René Dotti era um cirurgião da vida, sua inteligência era um verdadeiro bisturi que operava coisas maravilhosas em tudo o que fazia.Continue lendo →
SABE esses livros grandes, grossos, coloridos, de papel de luxo com fotos de museus, aqueles, sabe, imóveis e empilhados nas salas de visitas? Ninguém tira da pilha para folhear, e se tirar a dona da casa se contorce, incomodada, tremelicada pela quebra da harmonia sepulcral; tanta proteção e isolamento que as folhas grudam umas nas outras; sua única vantagem constatada está na imunidade às traças. Sabe esses livros, claro que sim, você tropeça neles irritado porque, ainda que perfeitos, a norma vigente doméstica os interdita como apoio para os pés durante o futebol ou para ali deixar em repouso o copo de uísque e a latinha de cerveja. Esses livros, sabe, têm utilidade cultural fundamental, que um dia aparece: nivelar mesas e armários capengas.
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